Ela estava sentada no banco de madeira da praça, olhando para o nada, a garganta tentando processar a informação. Seu pai estava ao seu lado lhe fazendo companhia em silêncio. Era um dia gélido de outono, as folhas amareladas e laranjadas caiam delicadamente no chão quando batia uma brisa leve. Seu pai permaneceria em silêncio até que a filha se manifestasse.
- Pai - ela começou depois de longos minutos - Nunca te perguntei isso. Como foi quando a vovó morreu?
Ela olhou discretamente para ele, com medo que ao menor contato visual, ele pudesse sumir.
- Você era muito pequena não era? - ele perguntou, olhando gentilmente para a filha - foi doloroso. A gente nunca está preparado para ver os pais partirem. Mas era a hora dela. Veja bem, ela estava sofrendo muito, tinha câncer, fez vários tratamentos e nenhum deles deu resultado. Ela não se alimentava direito, não conseguia fazer nada sozinha.... foi difícil vê-la sofrer por tanto tempo...
- Mas....
Ela ia fazer outra pergunta, mas a garganta não deixou ela completar a frase. Ela levantou os olhos e observou os galhos mexendo levemente. Ela se encolheu de frio na cadeira e passou as mãos pelos braços, esperando gerar algum calor. Nem mesmo seu moletom era o suficiente naquele momento.
O pai continuou a observando calado. Mesmo sabendo a dor de ter perdido ambos pais, nem ele poderia imaginar como sua filha estava sofrendo naquele momento.
- E agora, o que farei? - ela perguntou com os olhos marejados e a voz embargada.
- Você vai chorar quando tiver vontade. Vai achar a vida injusta, vai olhar para seus colegas de outra maneira. Mas você também saberá acolher quem irá passar por isso também. A dor não vai se curar. A saudades estará sempre aí. Mesmo que um dia a ferida se feche, ela sempre permanecerá aberta.
Ele tentou acariciar os cabelos da filha mas recuou. Pegou uma folha nos tons de vermelho no chão e olhou-a atentamente.
- Você não verá muito sentido a partir de agora. Mas não desista minha filha. A vida ainda vai ter sentido. Você encontrará alguém que te confortará.
Ela olhou, pela primeira vez, nos olhos do pai. Olhos cansados e gentis. Ela pôde ver seu próprio reflexo. Uma garota assustada, chorosa, ainda mais pela perda.
Seus olhos começaram a lhe trair e formaram lágrimas. Ela tentou engolir o choro, mas uma lágrima teimosa insistiu em sair pela lateral do olho, indo de encontro com a curva do seu nariz. Então a lágrima teimosa desceu mais um pouco e ela pode sentir o gosto do medo e da tristeza. Outras lágrimas saíram e foram acumulando no seu queixo e aos poucos, molhando os bolsos de seu casaco.
- Queria poder voltar no tempo pai - ela falou soluçando - aproveitar melhor os momentos. Sorrir mais.
- Minha querida - ele falou - os pais não guardam mágoas assim dos filhos, ou pelo menos não deveriam. Eu e sua mãe sabemos o quão maravilhosa você é como filha, tente não se chatear por isso.
Ela limpou as lágrimas na manga da camisa e tornou a olhar seu pai, buscando a gentileza de seu sorriso. Ele estava bem mais magro do que ele já tinha sido e o rosto estava abatido, os cabelos estavam ralos e dava para ver os fios se acumulando em seus ombros. Várias rugas que não existiam desenhavam seu rosto. O brilho dos seus olhos estava se apagando.
- Eu estou tão cansado - ele anunciou para desespero da filha.
Ela apertou os lábios e as lágrimas tornaram a sair. Sua vista começou a embaçar e ela não conseguiu falar tudo que queria.
- Você ainda tem a mamãe - ele disse - se apoiem nesse momento difícil, eu gostaria de ficar mais, mas...eu preciso ir querida.
O pai deu um beijo na testa dela, mas ela mal sentiu por causa do vento. Ela olhou para o lado desesperada e se viu sozinha no banco, as folhas de outono caindo ao soprar do vento.
- Pai.... não vá. Eu..... amo.... você.... mamãe também....
As palavras mal saíram e ela não sabia se o tinham alcançado. Ela chorava copiosamente, sentindo o vento de outono gelarem seus braços e as gotas da chuva se misturaram às suas lágrimas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário