domingo, 31 de agosto de 2014

A escolha

Talvez se naquele dia eu não tivesse falado com você, nós não teríamos nos tornados amigos. Eu não teria me preocupado com as dificuldades que você teve, eu não teria me envolvido com você no futuro. Eu não teria te ajudado quando você teve problemas com a escola, eu não teria começado a gostar de você. Eu não iria querer passar mais tempo com você.
Nós não teríamos nos envolvido. Você poderia ainda estar feliz, ao lado dos seus pais, cuidando dos negócios da família. Eu não teria me apaixonado por você, você não teria se apaixonado por mim. Nós não teríamos decidido morar juntos depois que eu arrumasse um emprego. Você ainda estaria feliz e saudável, saindo com os amigos.
Mas, agora lembrando bem, você não tinha amigos. Você fez amizade com as pessoas por minha causa. Você tinha repetido o ano, não era?
Você não ia precisar gastar seus dias preciosos ao lado de um idiota como eu. Uma pessoa que não ligava para nada na vida. Você não ia ficar grávida e não ia adoecer no fim da gravidez. Eu não teria sofrido com sua morte se eu nunca tivesse falado com você naquele primeiro dia de aula.
Eu não teria visto você adoecer. Eu não teria visto sua vida se esvaindo aos poucos. Talvez você ainda estivesse viva. Você não teria morrido nos meus braços.
E depois, eu não teria visto nossa filha sofrendo da mesma doença misteriosa que você tinha. Eu não iria ver nossa filha morrendo naquele dia gelado, me abraçando. Naquele dia, que só nos dois estávamos na rua, indo passear. Eu não teria ficado coberto de neve, tentando aquecê-la, mas vi ela indo para junto de você do mesmo jeito.
Eu não teria me lembrado do dia de sua morte. Eu não teria te feito sofrer, eu não teria sofrido. Nenhum de nós teria sofrido tanto.
Se eu não tivesse falado com você naquele primeiro dia de aula, nada disso teria acontecido.
No entanto, se nós não tivéssemos nos conhecido, nós não teríamos sido felizes. Eu não teria construído minha felicidade ao lado da sua. Não, não teria sido melhor se nós não tivéssemos nos falado naquele primeiro dia de aula.
Se nossas vontades, se nosso amor puder atravessar o tempo, eu quero estar ao seu lado para sempre, em um mundo onde depois que nossa filha nasceu, você sorriu para mim. Um mundo onde nós dois nos abraçamos depois do nascimento da nossa filha. Um mundo onde nossa filha cresceu forte e saudável.  E nós criamos ela juntos, com nosso amor.
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Eu posso ver você. Eu posso ver seu sorriso. Nossa filha está bem, ela é saudável. E você está comigo nesse mundo. Nós estamos juntos.

Estou muito feliz de estar ao seu lado. Estou muito feliz de ter te conhecido. 

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Uma dose de morfina

O rapaz olhava apreensivo para sua esposa, deitada na cama, dormindo. Sono natural? Não, era um sono levado pelos remédios, morfina, e todos outros remédios que amenizavam a dor dela.
PI. PI. PI. PI. PI. PI. PI. PI.
A máquina indicava os batimentos cardíacos, agora normais. À noite, com a dor, os batimentos oscilaram o tempo todo. Mas finalmente o som era menos torturante. Ele apertava levemente a mão dela, para caso ela acordasse, ela sentisse que ele estava ali, ao lado dela.
- Engraçado, não é Carol? Desde que nos conhecemos você sempre fez questão de pegar nas minhas mãos primeiro. Desde nossa lua de mel você gosta de acordar de mãos dadas comigo – ele sorriu de leve, falando baixinho, apenas para ele mesmo ouvir – apesar de você não saber o porque.
Ela se mexeu na cama e abriu os olhos. Ela sorriu ao ver o rosto de Marcos. Ele estivera ao lado dela em todos os momentos difíceis, e agora não seria diferente. Quando ela viu seu cachorrinho morrer, foi ele que a ajudou, quando sua mãe ficou doente foi ele que sempre levava-a no hospital, e quando ela recebeu o resultados dos exames era ele que estava do seu lado....
-Querido – ela levou uma das mãos ao rosto dele – como você está bonito – ela disse sorrindo.
- Você continua linda como sempre, Carol.
Apenas um mês antes, a vida dos dois virou às avessas. Casados a pouco mais de um ano, Carol e Marcos estavam aproveitando a vida de recém-casados. As dores de Carol começaram a aparecer aos poucos, até se tornarem insuportáveis. Eles foram ao médico, que fez uma porção de exames, e o resultado foi inconclusivo. Por indicação, Carol foi em outro médico. Este encontrou uma massa em seu rim, que estava se espalhando rapidamente pelos outro órgãos. Carol não teria mais tanto tempo de vida. A menos que os remédios diminuíssem a ação da massa em seu rim.
Carol fez uma careta. Marcos chamou as enfermeiras, mas elas não podiam aumentar a dose de morfina sem a prescrição médica. Carol mudou de posição e a dor melhorou. Ela estendeu a mão e pegou os dedos de Marcos, entrelaçando-os nos seus.
- Ah Marcos, nunca poderei ir com você na Alemanha.... – disse ela, um sorriso triste nos lábios.
- Não amor, nós vamos sim. O doutor disse que os remédios iriam te curar. – Ele disse.
- Não vou poder ir também com você na Europa, e visitar todos os países como planejamos enquanto éramos namorados... – Ela disse, o sorrindo desaparecendo de seus olhos.
- Amor, não diga isso.
- Eu queria tanto realizar meus sonhos ao seu lado. Conhecer Paris, andar e andar pelas ruas da China, navegar pelo Caribe... – nesse momento, ela não mais sorria. Uma lágrima se formava no canto de seu olho.
- Me escute Carol – disse ele, apertando as mãos dela – nós vamos realizar nossos sonhos juntos. Você vai ver. Vamos nós dois juntos viajar por 6 meses. Dirigir sem rumo uma vez na vida, você vai ver.
Carol começou a derramas as lágrimas que estavam lutando para sair de seus olhos.
- Marcos – disse ela aos soluços – eu queria tanto envelhecer ao seu lado, queria ver seus olhos assim que acordar todos os dias de minha vida, queria abraçar você quando tivesse um pesadelo...
Ambos choravam.
-Nós vamos estar juntos sempre, Carol.
Marcos beijou Carol na testa e logo em seguida, nos lábios.
-Eu amo você, meu amor – disse ela, a voz vacilante e rouca.
-Eu te amo, minha Carol – disse ele com um sorriso.

Ela sorriu e fechou os olhos. A máquina parou de apitar com intervalos regulares e agora o único som que se ouvia naquele quarto era apenas um PI contínuo e Marcos chorando.

sábado, 9 de agosto de 2014

Amor verdadeiro

Eu tinha 15 anos quando descobri o significado do verdadeiro amor.
O ano anterior tinha sido um pesadelo na vida da minha mãe e minha. Desde os meus 7 anos vivíamos sozinhas. Meu pai? Uma vez eu acordei de madrugada e voltando do banheiro, vi meu pai saindo com uma mala. Tinha ido visitar uma amiga, foi o que me disseram. Aquele foi um ano difícil. 7 anos depois, eu e minha mãe vivemos um pesadelo maior. Depois de várias internações, os médicos finalmente me contaram que minha mãe tinha um tumor.
Minha mãe e eu sempre fomos muito amigas. Eu reclamei com os médicos que tentaram me esconder a verdade por tanto tempo.
Quando finalmente passou-se um ano depois do inicio do nosso pesadelo, ela começou as sessões de quimioterapia, e eu a acompanhava em todas as sessões. Um dia, quando minha mãe cochilava, fui pegar um leite quente na lanchonete e um senhor me cumprimentou. Eu o conhecia de vista, ele sempre acompanhava a esposa no tratamento.
- Sua mãe está melhorando?
- Aos poucos sim. E sua esposa?
- Ela está estável. Você sempre vem, seu pai trabalha nesse horário?
- Meu pai não mora conosco.
-Desculpe-me, não pretendia... – ele ficou sem graça.
- Não tem problema – respondi sorrindo.
- Você não parece fazer muita coisa fora daqui. Você não sai às vezes? Nunca a vejo conversando com sua mãe sobre outras coisa a não ser escola e os livros que você lê.
-Minha mãe precisa de mim – eu respondi.
Uma lágrima formou no canto dos olhos do senhor. Ela escorreu silenciosa pelo rosto dele e foi parar no queixo.
-Gostaria que meus filhos amassem minha esposa como você ama sua mãe.
-Eles não visitam vocês?
-Ah, não. Ela passou por uma série de cirurgias, e nós fomos avisados do que poderia acontecer. Eles não aguentaram por tanto tempo.
-O que aconteceu?
-Ela perdeu parte da memória. Ela passa a maior parte do tempo não reconhecendo as pessoas ao redor. As vezes ela se lembra de algo, mas não por muito tempo.
Eu encarei meu copo de leite pela metade e fiquei pensando na tristeza daquele senhor. Imagina ter filhos, mas eles não visitam pois a mãe está doente...
-Que... Que tristeza...
-Vale a pena vir aqui. Ela se lembra mais de mim. Isso me trás felicidade.
Ele sorriu, pagou o café e meu leite, eu o agradeci e voltamos para a sala de aplicação.
Minha mãe estava acordada, e eu corri em sua direção. Observei em silencio o senhor encontrando com a esposa.
-Querido? Eu... eu lembro de voce! Você cuida de mim todos os dias...
-Oi minha deusa. Está lembrando de algo?
-Estou... – lágrimas começaram a sair dos olhos dela – tenho te feito sofrer...
-Eu não estou sofrendo, amor.
-Eu... eu amo você.
Ela fechou os olhos e o abraçou. Ele virou o rosto na minha direção, fechou os olhos e sorriu.
-O que você está olhando, minha filha?
-O amor, mamãe.

Eu a abracei com força.

sábado, 2 de agosto de 2014

Uma manhã no apto (III)

Vejo-a deitada na cama. Chego perto e percebo que ela está respirando. Vejo uma sombra em pé na parede. Como ela não acorda, sinto um terrível pressentimento.

Só me resta fazer uma coisa...

Ela desperta, parecendo uma flor abrindo numa linda manhã de sol.