quarta-feira, 31 de outubro de 2012

31


A noite estava escura e a pequena garota andava sozinha pelas calçadas. A lua cheia estava encoberta parcialmente pelas nuvens triste e cinzentas que se arrastavam pelo céu. Poucas estrelas iluminavam-no, parecendo pequenos pontinhos brilhantes presos a um pano escuro.
A cidade não estava deserta. Não para aquela garota. Mas não havia pessoas andando ali. Eram gente. Mas não gente comum. Pessoas ligadas à morte vagavam naquele dia pelas ruas e calçadas. Alguns levantaram da terra, outros de suas camas. A menina vagueia sem se assustar com os que passam perto dela. Ela não grita e eles não olham para ela.
Os que levantaram da terra estão em diferentes estados. Alguns se arrastam, outros andam normalmente. A maioria, no entanto, é formada somente por ossos. Os homens estão todos de terno e gravata.
Um em especial, usava gravata arqueada, era só o esqueleto, terno risca de giz e era extremamente alto. Ele segurava uma abóbora. A abóbora brilhava de um jeito misterioso. Um cachorro que parecia se feito de lençol o segue.
Outro era branco e usava uma roupa vermelha. Calça preta, blusa branca e um sobretudo vermelho longo. Seus cabelos eram negros como petróleo. Ele usava luvas pretas cobrindo suas mãos e um chapéu vermelho.  Ele tinha uma cruz pendurada na arma que ele carregava.
A menina passeia calmamente por todos eles. Ela tem a pele bem clara, cabelos castanhos e cacheados e cheira a chocolate. Ela está usando um vestido branco e leve. O vento bate e o vestido se levanta um pouco, os cabelos dela voam para trás.
Um ser totalmente translúcido passa por ela. ela o olha como se o conhecesse a muitas eras. Ela continua andando por entre as ruas lotadas com esses seres. A lua começa a aparecer, bem no topo do céu. Ouve-se um uivo ao longe. O uivo prolonga-se mais e mais.
É tão bom esse dia. Pensa ela. Eu e meus amigos podemos andar pelas ruas sem problemas.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ontem, futuro


Já é de noite e Peter está em casa. Ele está lanchando com sua tia Júlia. Eles estão tomando suco e comendo algumas bolachas. Júlia mistura um pouco de seu suco com leite, algo que ela costuma fazer, pois o gosto fica melhor. Júlia usa os cabelos presos em casa, para tirá-los da frente do rosto, e sempre usa roupas mais informais, como calça e blusa. Já na escola, ela usa saias ou vestidos, o cabelo sempre solto, pois fica mais elegante para uma professora assistente.
-Luís, você disse? – perguntou Júlia – ele é o responsável pela biblioteca auxiliar, ou segunda biblioteca, como preferir. Ele já trabalhava lá quando eu estudei a 9ª série. Ele sempre usa roupas mais escuras, então as pessoas costumam achá-lo assustador.
- Ele agia como se fosse dono do lugar – disse Peter.
- Ele deve se sentir assim, não é? Ele por um acaso o repreendeu?
- Não, não é isso. Jú, aquela sala sempre foi a biblioteca auxiliar?
-Sim, aquela sala virou biblioteca auxiliar quando o novo prédio do colégio foi construído.
Ela toma um pouco do seu suco com leite e faz uma cara muito satisfeita.
-Você já escolheu algum clube para frequentar? – perguntou ela.
- Bom, ainda não – respondeu ele – no meu antigo colégio eu participava do clube de culinária.
-De culinária? Não é muito comum garotos de a sua idade participarem de um clube como esses.
- Bom, tudo é culpa do meu pai. Ele ficava mais tempo no trabalho do que em casa. Com o clube, eu aprendi a cozinhar muitas coisas, mas meu pai não notava.
Então, uma lembrança invadiu sua mente. Peter acabou de cozinhar um delicioso prato típico de um país, e foi algo extremamente complicado. Seu pai chegou em casa, colocou os materiais de trabalho num canto e sentou na mesa para comer. Ele começa a comer e Peter pergunta como está a comida. Para sua surpresa, seu pai responde: “Desde que encha minha barriga, para mim tudo é a mesma coisa”.
-Bom, mas eu estou interessado em participar do clube de artes e hoje eu já recebi um convite.
-Você gosta de artes, Peter?
-Sim, é um dos meus interesses. Apesar de eu ser um péssimo desenhista, eu gostaria de fazer uma faculdade de artes e me especializar em técnicas de escultura. O que você acha, Jú?
-Bom – começou ela – isso é novidade para mim. Porém, vou ter que te dar alguns conselhos. Em primeiro lugar, seu pai não irá gostar nada da ideia. Em segundo lugar, mesmo que você termine o curso, será difícil achar um bom emprego, pois seu diploma não será atraente para o mercado de trabalho. Mesmo com habilidade e talento, você terá que ter sorte. 
Peter começou a desanimar.
-Em terceiro lugar, se esse é o seu sonho, você deverá investir nele. Mesmo que eu ou qualquer outra pessoa diga o contrário, você não precisa ter medo. Desistir de algo que você gosta sem ao menos ter tentado, é patético.
Nesse momento, Peter pareceu mais feliz e animado. Ele não esperava que ela falasse isso.
-Você acha patético? – perguntou ele.
- Sendo patético ou não, a decisão será totalmente sua. 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Desvio


-Err, não precisa me falar se você não quiser. – respondeu ele constrangido.
-Então eu não irei falar. – disse ela, voltando sua atenção para o desenho em seu papel.
Neste momento, eles ouviram o sinal tocando.
-Você deveria voltar para sua sala – disse uma voz, vinda do fundo do corredor.
Peter olhou para a direção da voz, e viu um homem alto, com os cabelos brancos e um pouco longos. Usava um sobretudo escuro, assim como o restante de suas roupas. Ele usava um par de óculos, e por causa da pouca luz, as lentes brilhavam.
-Essa é a primeira vez que o vejo por aqui.
-Meu nome é Peter – e o cumprimentou – sou o recém-transferido aluno da turma B, 9ª série.
-Sou o bibliotecário. Meu nome é Luís. Você é bem-vindo quando desejar, mas agora terá que ir embora.
-Ok.
Peter olha para Luís e para Miki, porém Luís não parece se importar ou notar a presença da garota. Ela olha para ele, e ele entende que ela continuará a desenhar. Peter se vira e caminha na direção da porta. Ele abre a porta, atravessa, e antes de fechá-la, ele olha para os dois dentro da sala. Luís continua olhando para Peter, sem ao menos desviar o olhar para outro canto. Peter fecha a porta. 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Meia luz


A sala que Peter entrou é uma pequena biblioteca. É a biblioteca auxiliar, como uma placa do lado de fora indica. As luminárias dessa biblioteca estão funcionando muito mal, várias estão apagadas, e as poucas que estão funcionando piscam bastante, tornando o ambiente mais escuro, e portanto, impróprio para a leitura. Miki está sentada na mesa, desenhando. A luz tênue que entra pela janela ilumina pouco, mas o suficiente para deixar o ambiente claro. Peter cumprimenta Miki após fechar a porta atrás de si. Ele caminha e fica ao lado de Miki.
- Tudo bem você entrar desse jeito? – pergunta Miki – aqueles dois lá fora não tentaram te impedir?
- Não sei – responde ele – talvez sim. O que você está desenhando?
Miki mostra o desenho para ele. É um esboço de um corpo feminino sentado, com uma perna próxima do tronco e a outra esticada no chão. Os cabelos parecem um pouco com os de Miki. Ao fundo, percebe-se que há rabiscos apagados de outros desenhos, esses muito semelhantes ao de bonecas.
-Você está usando a sua imaginação ou usando algo ou alguém como modelo?
-Não sei. Ambos, eu acho – respondeu ela, na sua voz mansa - No final, darei a ela um grande par de asas.
-Ela é um anjo? – pergunta ele.
-Quem sabe? Talvez.
Ela volta a pegar no lápis para continuar seu trabalho. Peter olha e pergunta algo novamente:
-O que você fazia embaixo da chuva naquele dia?
-Eu não odeio a chuva – disse ela, mas não respondendo sua pergunta – A minha favorita é a fria chuva de inverno que vem antes da temporada de neve.
-O que aconteceu com seu olho direito? Você o machucou? Desde que nos vimos no hospital, tenho te visto com esse tapa olho.
-Você quer mesmo saber? – perguntou ela com um sorrisinho no rosto.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Despedidas


Nunca gostei de despedidas. Especialmente aquelas que você sabe que serão permanentes, pois é uma despedida de alguém que morreu. Por isso detesto velórios. Quando pequena era tão mais doloroso enterrar meus animais mortos. Agora, dependendo meu animal, já nem sinto mais a dor.
Hoje estou na frente de um túmulo. Seu atestado de óbito está em minhas mãos. O epitáfio é curto e objetivo. Estou só no campo verde e há flores em outros túmulos. Vim sozinha. Não há um ombro amigo em que posso me consolar.
Pessoas com quem me importo e que se importam comigo queriam ter vindo. Sou cabeça-dura e egoísta. Não falei a ninguém o local e a hora do enterro. Preferia ter vindo sozinha do que ouvir um bando de conselhos de pessoas que não estão sofrendo como eu.
Há um ano, esse que morreu já vinha se afastando de mim. Quando pedia para vir me visitar, adiava, sempre tinha outro compromisso. Foi se afastando mais e mais.
Sua última visita veio como uma fagulha de esperança que me esquentou como um beijo. Mal sabia eu que aquela esperança morreria junto com ele. Minha esperança agora está gélida como seu cadáver. Conversávamos quando de repente ele morreu em meus braços.
Como foi agonizante sentir seu último suspiro e o fechar de olhos em meu colo, e eu inerte, sem nada poder fazer. Tentei reanimá-lo de todas as formas, mas ele tornou-se frio.
Ao anunciar sua prematura morte, todos ficaram estarrecidos, pois era algo que ninguém esperava. Todos me consolaram, em vão. Carreguei seu corpo e cavei sua cova. Espero que descanse em paz. Talvez eles nunca me perdoarão por ter feito isso. Não me arrependo.
Você era muito mais querido para mim do que para eles.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Primeiro beijo


Entramos no salão, Rebeca e eu. A música era bem animada e agradável. Pegamos um copo de bebida com o garçom e nos juntamos aos nossos conhecidos.

Então, destaca-se uma bela figura, que saltou dos meus sonhos e veio se apresentar. Seu nome era Danilo. Alto, forte, bonito, simpático. Dançamos um pouco e fui pegar outra bebida. Voltei e Danilo e Rebeca desapareceram. Fui para o jardim com meu copo. Era uísque, o melhor amigo dos desolados.

Sentei-me na grama úmida e olhei para a janela, que mais parecia uma grande porta transparente. Então criei a história. Na minha história os personagens falavam o que eu queria, tocava a música que eu imaginava, dançavam como eu mandava. Então o beijo de um casal apaixonado se destacou ao fundo. A bebida queimou minha garganta.

"A música aqui fora é mais agradável" disse uma voz masculina. Um rapaz magro de óculos veio até mim e sentou ao meu lado. Ele tinha um cheiro suave e parecia legal.

"A festa não está divertida" ele falou. A bebida continuava queimando e o copo ficou vazio. O casal de minha história desapareceu.

"Sou o Fernando, e você?" ele não saía do meu lado! "Alguém iludida", respondi. "As pessoas se iludem pelas coisas erradas, mas sempre podem acreditar nas coisas certas". Minha história foi interrompida. Que droga. Não há no que acreditar, pensei.

"Acreditaria se eu dissesse que você é a mais linda desse lugar?" Essa pergunta me tirou do chão. Ninguém tinha olhado para mim. Será apenas outra ilusão? Sempre sou iludida. Será agora diferente?

"Vou pegar uma bebida" e ele saiu. Comecei a me sentir tonta, tombei a cabeça e senti a grama fazer cócegas no meu nariz.

Fernando voltou, me segurou perto de si. Rebeca e Danilo agora eram apenas personagens secundários da minha história. Agora eu era, pela primeira vez, a protagonista.
Um abraço quente e um beijo curaram minha ferida.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

4 ódios


Odeio o silêncio
Seus barulhos feitos de nada
Seu grito surdo
Atraindo-me para a loucura.

Odeio a solidão
Não sentir-te junto a mim
O frio abraço
Da morte que me quer.

Odeio a escuridão
Como odeio a solidão
Cada berro escuro que ofusca
A verdade, que mascara as mentiras.

Odeio a realidade
Que me afasta das falsas verdades
Que tomo para mim
Como a própria realidade.