sábado, 30 de novembro de 2013

O livro

Peter e Miki passaram a não frequentar todas as aulas. Eles não iriam receber faltas. Eles iam para o rio e ficavam olhando a água, Miki jogando água para frente. Na aula de educação física, os dois ficavam no telhado, conversando. Eles iam ao parquinho depois da aula, conversavam no pátio e ninguém os incomodava.
Peter e Miki foram até o clube de artes. Todos ficaram felizes com o aparecimento dela, pois estavam com saudades. Porém, Gabriel apareceu, ficou atordoado e conseguiu fazer com que todos saíssem, dizendo que havia uma emergência. Miki encontrou sua tela, coberta por um pano. Porém, a tela estava rasgada. Peter notou que a imagem da tela era muito parecida com a mãe de Miki, mas ainda assim era diferente.
Eles saíram da sala e foram andando pelo corredor. Eles cruzaram com a professora Júlia, mas ela passou reto sem olhar para os dois.
-Talvez causemos menos tensão na turma se não comparecermos na próxima aula de artes. – disse Peter, melancólico.
Depois, eles foram até a biblioteca e ficaram olhando alguns livros. Peter pegou o livro de registro de 1980 e ficou olhando a foto da turma B. Ele quase não tirava os olhos de sua mãe. Miki foi ao seu lado e perguntou que era sua mãe. Ele apontou.
-O professor responsável nesse ano era...
-A aparência dele está muito diferente – disse Miki.
-Você está se referindo ao...
-Sim, Luis. – disse ela, e depois olhou para Luis, que vinha na direção deles.
-O que vocês fazem aqui?
-Agora somos duas pessoas que não existem – respondeu Miki, levantando-se e indo na direção dele.
-Entendo. Peter, agora você compreende a gravidade da situação?
-Sim. Apesar de ser algo difícil de acreditar.
-Sua reação é compreensível. É algo estranho, mas esse fenômeno realmente existe nessa escola.
-Luis, você foi o professor responsável pela turma B no ano de 1980, certo? – perguntou Peter – foi assim que você conheceu minha mãe.
-Sim, foi.
-Não é perigoso para você não ignorar a nossa existência?
-Não possuo mais conexões com aquela classe. Pode se dizer que minha vida não está mais em risco.
-Então qual são as pessoas que tem a vida em risco? – perguntou Peter.
-Alunos da turma B, e seus parentes até o segundo grau. Além disso, eles devem estar na cidade.
-Segundo grau. Você quer dizer irmãos, pais. Se eles precisam estar na cidade, bastam que saiam daqui para que suas vidas não corram mais riscos?
-Sim, pense neles como um celular que está fora de área. Você não consegue se comunicar com a pessoa.
-Então por que você ainda está aqui?
-Nunca quis que ninguém se machucasse. Porém, eu permiti que a morte se aproximasse dessa escola. Metade de mim tinha culpa e a outra metade tinha medo. Tive medo de fugir, por isso fiquei. Se fugisse, poderia ter morrido.
-Professores também morreram?
-Somente alguns professores responsáveis e professores assistentes.
-Yuki de 25 anos atrás era menino ou menina?
-Era um menino. Ele possuía o mesmo sobrenome da cidade, “Wetherby”. O nome dele era Yuki Wetherby. Uma noite de maio, houve um incêndio na casa dele. Todos na casa morreram, seus pais e seus irmãos. Ele não deveria existir, porém foi criado pelos alunos de 25 anos atrás. É lógico, eles não quiseram fazer mal nenhum. Eu era jovem e imaturo, por isso não via mal no que foi decidido na época. Porém, o resultado foi que essa turma abriu as portas da morte.
-Você chegou a ver a foto em que Yuki aparece?
-Sim.
-Você possui a foto?
-Não. Sinceramente, aquela foto me deixou aterrorizado.
-Quando dizem que os registros da escola são alterados, o que querem dizer?

-Isso é algo estranho, mas acontece. 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Qualquer dia desses

8 de junho
Peter e Miki vão para o telhado juntos. Ninguém olha para eles. Peter abre sua marmita uma um delicioso almoço está lá. Porém Miki tira de uma sacola uma lata e um sanduiche.
-Sua mãe não faz a sua comida?
-Só quando ela tem vontade- respondeu ela – mas para ser sincera, a comida dela não é muito gostosa.
-Você sabe cozinhar?
-Não, só esquento comida congelada.
-Eu sei cozinhar – disse Peter, sorrindo.
-É mesmo? Que inusitado.
-Eu participei do clube de economia doméstica e culinária no meu outro colégio.
-Então, quando você irá cozinhar algo para mim? – perguntou Miki, sorrindo disfarçadamente.
-Qualquer dias desses – respondeu ele – Ah sim, você não estava desenhando um dia desses? Você já está terminando?
-Quase.
-Já desenhou as asas?
-Sim. Quando eu terminar eu mostro a você. Qualquer dia desses.
-Seu hobby é desenhar? Eu prefiro observar as obras de arte. Eu gosto muito de ler os livros de arte. Tenho muitos livros na minha casa. Você já visitou algum museu?
-Não há muitos no interior.
-Então venha me visitar em Londres. Eu serei seu guia turístico. Poderemos visitar todos os museus.

-Certo, qualquer dia desses.

domingo, 24 de novembro de 2013

Sem saída

1 de maio
- Não pensei que aconteceria esse ano. Haviam carteiras em quantidade suficiente para todos os alunos no primeiro dia de aula. – lamenta Miguel.
-porém, com a chegada do aluno transferido, faltou uma carteira – disse bruna.
-desde quando a maldição pode começar um mês atrasada? –perguntou Miguel, com uma pitada de desdenho na fala.
-Este aparenta ser o caso – disse Lucas, ajeitando os óculos no rosto.
Silêncio na sala.
-Vocês dois e a Laura foram visitar ele no hospital, não foram?
-Sim – respondeu Bruna – mas não creio que seja ele. Ele disse que é a primeira vez que vive em wetherby, e ele não tem irmãos. Além disso, suas mãos não estavam frias.
-Frias? – perguntou Miguel.
-Existe uma teoria – Lucas começou a explicar a Miguel – que você pode saber quem é o morto se você apertar a mão dele na primeira vez que o conhece. A mão dele estará extremamente fria.
Bruna observa atentamente suas mãos durante toda a explicação, com uma expressão de dúvida.
-Então, isso significa que pode ser outra pessoa além dele?
-Imagino que sim – disse Lucas – ao que parece, além da própria turma, pais e irmãos estão sob o risco, mas tios e primos estão seguros.
Silêncio na sala novamente. Miguel pergunta aos dois.
-É ruim o que Peter está fazendo, não é? Mas os professores não deveriam ter tomado a atitude de ter contado a ele toda a situação? De qualquer forma, ele já falou com aquela que supostamente não deveria existir. Vocês e a Laura deveriam ter contado a ele quando foram no hospital visitá-lo.
-Aquela não era a atmosfera nem a hora ideal para tratar esse tipo de assunto. – disse Lucas, mexendo em seus óculos.
-Bem, nós podemos explicar para ele agora... – começou Miguel.
-Isso seria problemático – responde Lucas.
-Se tomarmos essa decisão de explicar tudo agora, no decorrer da conversa nós teríamos que reconhecê-la como alguém existente. Isso não seria bom. – continuou Bruna.
-Não podemos fazer isso fora da escola então? – perguntou Miguel, sofrendo um pouco.
-Teremos que pensar uma maneira de avisá-lo – disse Lucas – mas você sabe, se ninguém morrer em maio, então não há perigo.

-Então, é só esperar o mês acabar. – disse Miguel, por fim.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Turma B

Peter está deitado em sua cama, pensativo. Ele olha atentamente para a lâmpada. Seu celular começa a tocar. Ele se assusta, pega o celular rápido, mas acaba deixando-o cair. Ele pega novamente e atende o celular.
-Oi filho. Você não imagina como está o tempo aqui no Canadá.
-Ahn?
-Como assim ahn?
-Bom, se você está ligando para saber de minha saúde, ela está bem. Pai, alguma vez mamãe comentou com você sobre a época que ela estudou na escola?
-Ah, como assim? Por que a pergunta?
-Mamãe também estudou na turma B, não é? Você não se lembra dela comentando nada a respeito da escola?
-Não lembro de nada.
Peter suspira.
-Vamos, não responda tão rápido. Pense um pouco, pai.
-Bom, ela comentou algumas vezes sobre a escola, mas nada muito importante. Então quer dizer que Bárbara estudou na turma B?
Por que mesmo que eu pensei que meu pai poderia lembrar-se de alguma coisa? Perguntou Peter a si mesmo.
-Peter, qual é a sensação de ficar 2 meses em Wetherby após um ano e meio fora?
-Um ano e meio? – perguntou Peter – mas essa é a primeira vez que eu volto à cidade desde que comecei a cursar o ensino fundamental.
-Ah? Mas eu tenho certeza que...
O sinal do celular começou a ficar ruim. A ligação começou a falhar.
-Ah, você está certo, foi engano meu. Lembrei errado.
A ligação ficou péssima, chiando. Então o telefone desligou. Peter agora escuta somente um “tu” incessante.
-Pai?

Ele desliga o telefone. Peter vira-se para trás e a janela está aberta, deixando muito vento entrar. Ele se lembra da mesa de Miki e da frase escrita pela garota.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A morte

Os dois andam em silêncio por algumas ruas. Miki anda na frente. Eles passam ao lado de um parque de crianças. Miki entra no parque e segura em uma barra da altura do seu peito. Ela segura firme, empurra o corpo para cima e dá uma volta na barra com o corpo. Depois, ela faz força novamente e senta-se na barra.  Uma luz estava envolta de um monte de mosquitos.
-Por que eles decidiram ignorar a existência de duas pessoas?
-A morte de Débora e de Breno só trouxe a prova que restava para eles. “O ano que algo acontece”, sem dúvidas. Eles provavelmente pensaram que o “amuleto” não seria mais útil se você começasse a me ignorar a partir de agora. Eles deviam ter dois planos. O primeiro era voltarem a conversar com você e continuarem a me ignorar. Mas acredito que eles optaram por te tratar como inexistente. Isso também evitou que eles precisassem explicar a situação para você. De fato, tomaram uma decisão bem racional.
Peter tenta fazer o mesmo que Miki, numa barra um pouco maior. Mas ele não faz questão de prosseguir com a tentativa. Ele apenas sustenta o corpo com seus braços e volta ao chão.
-Você acha que essa solução é definitiva?
-Eles estão desesperados. Quando se está com a vida em risco, as pessoas podem tomar decisões desesperadas. E se isso puder ajudar a parar o desastre, não há motivo para eles não tentarem. Se houvesse um meio de interromper o ciclo de mortes, você não tentaria?
Peter ficou em silencio. Um vento começou a soprar.
-A morte é uma situação muito triste – disse ela.
Peter olhou para o rosto de Miki. Ele só pode ver a parte que tinha o tapa olho. O vento soprou um pouco mais forte, balançando os cabelos. A franja dela voo um pouco, mostrando o elástico que prendia o tapa olho na orelha. Sua expressão estava muito triste.
Eles saíram do parque e caminharam perto do rio da cidade por um tempo.
-obrigado – agradeceu Peter – tome cuidado no caminho de volta para casa. Afinal, nossas vidas estão em risco.
-Eu ficarei bem – disse Miki, retirando seu tapa olho – até onde eu sei, você acabou de conversar com uma pessoa inexistente.
Ela se virou para ele.
-Eu já o mostrei a você, não é?
Ele afirma com a cabeça. Olha diretamente para os olhos de Miki.
-Perdi meu olho direito aos 4 anos. Ele desenvolveu um câncer muito agressivo. Quando acordei da cirurgia, meu olho havia sido retirado. Então, como minha mãe achava que os olhos artificiais não eram bonitos, ela fez um especialmente para mim.
-Você não precisa esconder seu olho direito, Miki. Eu acho que ele tem um cor muito bonita.
Ela se virou para o rio e desceu as escadas.
-Dizem que eu quase morri durante a cirurgia. Eu não me lembro de quase nada.
-Você quer dizer de experiência quase-morte?
-A morte não é nada gentil, Peter. ela é obscura, sombria até onde a vista alcança e você se sente completamente só.
-Completamente só – repetiu Peter.
-Mas não é tão diferente assim da vida, não é? Não importa quantas pessoas conhecemos, a vida é uma experiência solitária. Eu estou só, minha mãe, Peter, Yuki... A partir de amanhã, estaremos na mesma condição.  Por isso, conte comigo, Peter.

Disse ela, estendendo a mão. Ele apertou a mão de Miki e ela saiu saltitando, subindo a escada.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Relação

Está escuro do lado de fora, o céu está nublado. Miki se levanta e senta-se em outra parte da sala, um pouco mais iluminada. Peter pega seu refresco e senta-se no chão, perto dela.
-Mas se essa era uma regra tão importante, por que não fui informado desde o início? – perguntou ele.
-Peter, você já tinha conversado comigo antes de ir nas aulas. Isso fez com que o assunto se tornasse inconveniente para a turma.
Peter lembra-se de todas as vezes que ele comentava sobre Miki com seus colegas eles agiam como se não soubesse do que ele estava falando. Tudo começou a fazer sentido.
-E a sua carteira? Por que ela é a única velha da turma?
-É assim que eles diferenciam o aluno inexistente. Faz parte de tudo.
-Na sua mesa estava escrito uma frase. “Quem será o morto?”. Foi você quem escreveu?
Miki olha para o lado por um instante.
-Sim. Fui eu. Eu tenho certeza que eu não sou a pessoa morta. Então eu pensei: “se não sou eu, quem será?”.
-Como você sabe que não está morta? Como pode ter tanta certeza? Você mesma disse que até mesmo a memória dos alunos é alterada.
-Eu sei porque...
Nesse instante, a porta da sala onde eles estão se abre.
-Miki, você está aqui? – uma voz feminina ecoou.
 A mãe de Miki, Kimiko, entrou na sala, com um lenço amarrando os cabelos.
-Esse é meu amigo, Peter. Ele que ligou.
-Desculpe incomodar – respondeu ele.
-Não é incomodo. Miki raramente trás amigos para cá. Desculpe as minhas roupas. – disse ela, retirando o lenço da cabeça e soltando os cabelos enquanto andava pela sala – ele por acaso é da sua sala ou do clube de artes?
-Peter também é cliente do piso inferior – disse Miki – ele parece adorar os objetos expostos.
-É mesmo? – perguntou ela  – esse é um hobby um pouco estranho para meninos. Então você gosta de bonecas?
-Bem...- Peter começou a responder, colocando a mão atrás da cabeça para pensar um pouco.
-Peter, você já deveria ter voltado para casa – disse Miki, levantando-se – eu vou levá-lo. Ele acabou de se mudar e ainda não conhece totalmente os arredores.
-Tudo bem – responde Kimiko – Volte quando quiser.
Os dois saem da casa de Miki. O céu está nublado, mas as nuvens estão se movimentando, permitindo que a luz da lua consiga iluminar a rua e o restante da cidade. Apenas algumas partes estão cobertas pelas nuvens.
-Você sempre é assim? – pergunta Peter à Miki.
-Assim como?
-Assim, com sua mãe. Vocês duas são tão reservadas uma com a outra. O modo como você fala com sua mãe dá a entender que vocês mal se conhecem.
Eles vão andando pelas ruas mais iluminadas. Um carro passa perto deles.
-Nós sempre nos comunicamos dessa forma. Como você se comunica com sua mãe?
-Eu não tenho mãe. Ela morreu pouco depois do parto. Então desde sempre e vivo com meu pai. Mas como ele está envolvido em uma pesquisa, me mandou para cá.
Peter não parecia tão triste ao falar isso. Miki pareceu ficar sem graça.
-Entendo. Bom, é assim que eu me relaciono com minha mãe. Sou apenas mais uma boneca para ela.
-Isso é horrível. Você é filha dela, em carne e sangue.
-Posso ser de carne e sangue, mas não sou real.
-Ah. Sua mãe sabe sobre as regras da turma B?
-Não. Mas ela não ligaria se soubesse também. Nem se soubesse se eu fosse a inexistente. E eu não vou contar à ela. É melhor.
-E o que ela acha de você ficar matando aula?
-Ou ela não se importa ou ela não interfere. Exceto em algumas coisas.
-Que coisas?
Miki ficou em silêncio e não respondeu. Peter percebeu isso.
-Bom, agora que eu sei do segredo da turma B, diga, Miki, como você suporta essa situação?
Miki acelerou o passo e ficou mais a frente no caminho.

-Não há nada que possa ser feito. Apenas fui escolhida. Se não fosse eu, provavelmente escolheriam outra pessoa. Eu ia precisar ignorar a existência de outra pessoa. Foi até melhor que me escolheram.