Ofegar

Na aula de educação física, Peter fica sentado num banco perto das quadras, pois como ele esteve no hospital tem pouco tempo, ainda não pode fazer exercícios físicos intensos. Os garotos estão treinando corrida de resistência e as meninas estão medindo os saltos e outras coisas. Peter está observando tudo.

Um garoto de sua sala se aproxima dele, seu nome é Breno. O rapaz é alto, um pouco magro, tem sardas nas bochechas e o cabelo levemente avermelhado.

- Você parece querer correr – disse Breno.

- A sim. Eu sinto falta de correr um pouco, mas acho que terei que esperar para retornar a fazer aulas de educação física.

- Ah – disse Breno – eu nasci com uma doença no coração que me impede de fazer exercícios assim. Então nunca soube o que é correr. Mas eu tenho muita vontade de sentir o vento passar por mim, o barulho da respiração, essas coisas.

- Que pena – respondeu Peter – mas quem sabe um dia você não consegue? 

-Sim, quem sabe? – disse Breno, um pouco animado.

Porém, Breno faz uma careta logo em seguida, põe a mão no peito e se levanta. Ele se despede de Peter e vai até a enfermaria descansar um pouco, pois não está se sentindo muito bem. Isso é normal, às vezes acontece com ele.

Logo depois, Laura aparece, mas ela está com uma faixa em torno do tornozelo direito. Ela caiu no dia anterior e o torceu, portanto ela não fará educação física por um tempinho.  Ela se senta ao lado de Peter.

- Agora que eu notei, por que nossa turma não faz aula de educação física com outra turma? Garotas e garotos fazem a aula separados, então não seria com outra turma?

- É assim com as outras turmas – respondeu Laura – as turmas A e C e as turmas D e E fazem a aula juntas. Apenas com a nossa turma é diferente.

Os dois olham os meninos descansando da corrida por um tempo. Laura, com a voz um pouco diferente, pergunta a Peter:

- Miguel e Lucas te apresentaram a escola no horário de almoço, não é? Eles te falaram alguma coisa?

- Não, só me apresentaram a escola mesmo.

-É mesmo? Entendo.

Laura olha para baixo e parece pensativa. Ela fala muito baixo, agora, como se falasse algo que Peter não poderia escutar:

- Se não formos cuidadosos, Bruna vai brigar conosco...

Os dois ficam em silêncio um pouco.

-Laura, você pode me responder uma pergunta? – Pergunta Peter

-Sim – responde Laura
- Onde está Miki?

Laura arregalou os olhos. Ela olha para Peter e pergunta:

-Quem?

-Miki Yuki – diz Peter – a garota com o tapa-olho.

Laura repete a mesma pergunta – Quem?

-Eu não a vi no refeitório no horário de almoço, nem na aula de Educação Física.

Laura parece um pouco assustada. Um trovão ecoa. Os dois olham para as nuvens e Peter vê alguém no telhado. Ele sai correndo em direção ao prédio.

-Peter, aonde você vai? – pergunta Laura, ainda assustada.

Amanhecer

Na escola, Peter é apresentado ao professor Tetsuo e à professora assistente, Júlia. Eles o levam pelos corredores até chegar à sua sala, a classe B. Ele se apresenta à turma e percebe que Bruna não está na sala. O professor Tetsuo indica uma carteira situada mais ou menos no meio da classe e fala:

- Faremos o possível para que todos possam se graduar em março.

 Ao se sentar, Peter nota Miki, na última carteira, perto da janela. Ele nota também que a turma inteira é muito quieta. Isso é normal quando as pessoas não se conhecem, mas já se passou quase um trimestre desde o início das aulas. Além disso, todos falam que se graduar é uma tarefa quase impossível. As aulas foram um pouco entediantes, somada com a estranha quietude da sala, Peter começa a ficar sonolento. Bate o sinal do intervalo. Seus colegas vão conversar com ele e o enchem de perguntas:

Como foi no hospital? O que você acha dessa cidade, comparada com Londres? É verdade que seu pai é um professor em uma pesquisa no Canadá? Como era sua antiga escola? Aqui é mais frio ou mais quente? Você acha aqui muito barulhento? Em cidades pequenas não acontece nada, não, é? Você gosta da professora Júlia? Gosta de mulheres mais velhas e inteligentes? Que tipo de mulheres você gosta?

Peter olha para a mesa onde Miki estava, e nota que a mesa é um pouco velha e rabiscada. Lucas pergunta se algo o incomoda. Peter apenas responde:

-Eu estava procurando a outra garota que me visitou, a Bruna. Ela não veio às aulas hoje?

-Parece que não veio – responde Lucas.

- Ei, como está na hora do almoço, quer que lhe apresentamos a escola? – perguntou um garoto alegre, com cabelo claro – Eu sou Miguel.

- A sim, adoraria. É muito ruim não conhecer nada na escola nova.

Após Miguel e Lucas mostrarem a escola, Peter fala:

-Ei Miguel, parece que você e Lucas são bem próximos.

-Exatamente – respondeu Miguel – eu e Lucas nos conhecemos desde o jardim de infância, e sempre estudamos juntos.

- É mesmo – disse Lucas – o Miguel era chato e não cresceu muito em maturidade.

- Em compensação, você ficou um nerd muito chato e sério, Lucas – respondeu Miguel.

Porém a conversa tomou outro rumo, pois Miguel, com uma cara muito séria, perguntou a Peter:

- Você acredita em fantasmas, espíritos, maldição, essas coisas, Peter?

- E visões sobrenaturais – acrescentou Lucas, num tom um tanto quanto sombrio – mas não apenas nisso, mas também em poderes psíquicos, coisas que são atualmente inexplicáveis através de métodos científicos.

- Bom – respondeu Peter, um pouco assustado – eu basicamente não acredito em nada disso.

- Não importa o que acontecer? – perguntou Lucas.

- Acho que... – responde Peter, um pouco apreensivo – se algo surgisse na minha frente, e se houvesse alguma evidência provando a “identidade” desse algo, talvez...

Lucas e Miguel trocaram olhares um pouco angustiados e sombrios. Peter, não gostando do nível da conversa, despediu-se dos dois e ando pelo corredor. Lucas e Miguel não entenderam porque ele saiu andando, e ficaram se perguntando por que ele se foi.

Peter saiu do prédio e viu Miki sentada num banco embaixo de uma árvore do jardim da escola. Ela estava com uma cara de indiferença a tudo, segurando um livro. Peter chegou perto dela:

-Oi. Eu sou Peter, sou novo aluno na sua classe, então...

Ela olhou friamente para ele, levantou-se e falou com ele:

- É melhor você tomar cuidado.

E então fechou o livro e saiu andando.

-Hey, o que você está fazendo? – perguntou Miguel, da porta do prédio – o sinal já tocou, nós vamos nos atrasar para a aula de educação física.

Despertar

Peter Recebeu alta do Hospital e está morando na casa de seus avós e sua tia. Ele recebe uma ligação de seu pai. Seu pai conta algumas novidades do trabalho, Peter conta um pouco sobre o que ele fez nos dias passados e eles desligam. Sua tia aparece. Ela é irmã mais nova de Bárbara, e ambas estudaram no mesmo colégio que Peter irá estudar agora. Ela começa a falar um pouco sobre o novo colégio:

- Sabe Peter, sua mãe estudou na mesma classe que você vai estudar, e eu também. Mas é claro, ela estudou a bem mais tempo que eu. Eu estudei há 14 anos. Sabe, tem algumas regras que são de extrema importância que você terá que segui-las. A primeira é: as regras da classe são absolutas, tudo que a classe decidir, você terá que obedecer. Segunda regra: o grupo é muito mais importante que o individuo. Terceira regra...

A avó de Peter o chama para o café da manhã. Ele dá bom dia para seu avô. Seu avô diz bom dia e pergunta se Peter já está formando no Ensino médio. Peter diz que não, que ele está indo para a nona série. Seu avô lamenta um pouco:

- Se ao menos aquilo não tivesse acontecido com Bárbara... Por quê? Por quê?

Abrindo os olhos

Ano de 2005

Peter acaba de se mudar para a cidade de Wetherby, Inglaterra. Ele fez 15 anos no último mês e está no hospital, por conta de uma doença não muito fatal. Esse seria seu primeiro dia na nova escola, a Escola Fundamental Do Sul de Wetherby, na nona série. Seu pai é professor e está em uma pesquisa no Canadá. Ele ainda não sabe que seu filho está no hospital, pois os avós e a tia de Peter não contaram nada. Depois que a mãe de Peter, Bárbara, morreu logo depois do parto,seu pai nunca se casou novamente. Apesar de nunca ter morado em Wetherby, cidade onde Peter nasceu, ele visitou-a algumas vezes, pois essa foi a cidade onde sua mãe e sua tia viveram por muitos anos desde que nasceram. Inclusive, sua tia é professora assistente da nona série na escola onde Peter irá estudar. A enfermeira que tem cuidado de Peter, Débora, vem lhe avisar que ele tem visita.

Entram três jovens da mesma idade de Peter, com uniformes escolares. O rapaz tinha um cabelo curto preto e usava óculos de armação discreta. Uma das garotas era alta, tinha o cabelo ruivo, preso por uma fita de cabelo, e era muito branca. A outra tinha os cabelos na altura do queixo, cor de mel, era um pouco mais baixa que a menina ruiva e usava óculos com uma armação um pouco grande, mas dava-lhe um ar inteligente.

 Eles se apresentam:
-Boa tarde, nós somos os representantes da classe B, nona série, de Escola Fundamental Do Sul de Wetherby. Soubemos de sua transferência e de sua doença também. Eu sou Lucas e essa é Laura.

-Eu sou a Bruna, responsável pelas contramedidas – disse a menina ruiva.

- Nós trouxemos cópias de nossas anotações do início do primeiro trimestre – Disse Laura, a de cabelos curtos cor de mel.

Eles trocam olhares, Bruna vacila um pouco. Lucas toma a palavra:
-Me diga, Peter, é a primeira vez que você mora em Wetherby? Onde você morava?

-Sim. Bem, eu morava em Londres e já a visitei essa cidade algumas vezes anteriormente, mas fiquei pouco tempo – respondeu Peter.
Os três alunos parecem não conseguir falar mais alguma coisa. Bruna estende a mão para cumprimentar Peter.

-De hoje em diante estaremos contando com você.

Bruna e os outros parecem um pouco apreensivos, mas vão embora.

Peter, mais tarde, pega seu celular para avisar seu pai do ocorrido. Ele consegue entrar em um elevador, aperta o botão de seu destino, e espera. Ele nota então a presença de uma garota ao fundo do elevador. Ela é um pouco baixa e usa o mesmo uniforme que seus colegas de classe. Ela tem um cabelo preto bonito, curto e repicado, e usa um tapa-olho no seu olho direito.

- Você é estudante do colégio do Sul de Wetherby? – pergunta Peter

Ela balança a cabeça em afirmativa. Peter nota que o botão do piso do subsolo foi pressionado e pergunta:

-Você tem algum compromisso no piso do subsolo? Mas lá é apenas...

-Tenho que realizar uma entrega a minha infeliz outra metade.

Peter então nota que a garota estava segurando uma boneca em seus braços, como se fosse uma criança pequena. É uma boneca bem bonita, com roupas elegantes. A porta do elevador abre e a garota sai. Ela segue a direção que uma placa indica como necrotério.

-Ei, qual é o seu nome? – pergunta Peter

- Miki. Miki Yuki - responde a garota, já um pouco longe.

E então ela desaparece na escuridão do corredor.

O Início

Você ouviu falar de Yuki? Era um estudante de 9ª série, na classe B, há 25 anos. Esse aluno tinha notas altas, ajudava seus colegas, era bom em artes e em esportes, era educado com todos. Professores, alunos e funcionários tinham uma grande estima por esse aluno. Porém, dizem, que seu irmão mais novo fez algo na cozinha que começou um incêndio. A casa era de madeira e foi rapidamente engolida pelas chamas. Como era noite, os pais e Yuki não acordaram, e todos morreram. Isso foi um grande choque para todos os colegas da nona série. Ninguém queria aceitar que aquela pessoa tão especial tinha morrido. E então, um garoto disse “Yuki não morreu. Ele está bem ali, em sua cadeira”. A partir desse dia, todos passaram a agir como se ele ainda estivesse vivo, inclusive os professores. No dia da graduação, eles separaram uma cadeira para Yuki e se reuniram para a foto oficial. Porém, eles notaram algo muito estranho naquela foto. Alguém que não deveria ter aparecido na foto, estava ali, sorrindo com os outros. Yuki estava na foto.