segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O jardim

Não me lembro como vim parar nesse buraco. A última coisa que me  lembro é de ter cruzado com um homem de sobretudo preto.

Estou em um lugar escuro, mas não o suficiente para não conseguir ver ao meu redor. Um túnel longo, feito de terra, com um único caminho me obriga a caminhar. conforme eu ando, a parede atrás de mim permanece inalterada. Ou não estou saindo do lugar, ou a parede está se movendo. Uma luz pálida no fim do corredor fica mais forte. Então a parede está se movendo.

Chego na sala de onde vem a luz pálida. E que sala!Árvores prateadas e douradas cresciam por todos os lugares. As extremidades de seus galhos eram tão finas que pareciam quebradiças ao menor toque. Mas as árvores eram realmente de prata e ouro. Suas frutas eram vermelhas, verdes e muito maiores do que qualquer fruta encontrada na superfície. E as frutas eram rubis, diamantes, esmeraldas, grandes pedras preciosas que pendiam dos galhos.

A luz pálida vinha de um poste, bem antigo, que era enfeitado com ramos de oliveira. No centro do jardim, havia uma romanzeira bem vistosa e as frutas pareciam bem apetitosas. Colhi uma.

Um campo extenso das mais diversas flores coloriam o chão. Madressilvas, girassóis, rosas, tulipas, cravos, dentes-de-leão, papoula. Todas flores delicadas e extremamente cheirosas, com as pétalas parecendo um veludo.

Então uma mulher alta, pálida, de cabelos pretos e cacheados veio caminhando em minha direção. ela usava um vestido preto e fino que esvoaçava enquanto andava.

Desculpe não te receber da melhor maneira, mas no inverno, é o máximo que posso fazer aqui em baixo. Bem-vindo ao meu jardim. Eu sou Perséfone.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Tour pela morte

Atravessei a imensa porta junto com um grupo que veio comigo. Ela era ornamentada com caveiras, ossos, que pareciam muito velhos. Não possuía fechadura, nem tranca, nem nada. Depois da porta, havia quatro portas guardadas por dois esqueletos uniformizados, e outras duas grandes portas, guardadas por quatro esqueletos. Havia uma espécie de guia levando as pessoas às quatro portas. Quando uma pessoa não entrava em nenhuma das quatro, sentava em um banco de ossos ressecados, mas que eram rígidos como diamante. Quando um grupo se formou, inclusive eu fazia parte dele, fomos visitar o interior das quatro portas.


O primeiro era um belo campo verde, com uma luz tão forte iluminando, que jurei ser a do Sol. Havia árvores grandes, verdes e cheias de frutos, por onde a vista alcançava. Pessoas que eram completamente diferentes umas das outras estava sentadas a uma mesa, conversavam animadamente, bebiam, comiam, brincavam. O cheiro de churrasco pairava no ar. Aqui ficam os heróis antigos e os da época de vocês, disse o guia, pessoas que fizeram algo de bom ao mundo. Os Campos Elísios.


O segundo lugar era completamente escuro e extenso. Uma espécie de gruta gigante, com o chão de grama. Porém a grama estava seca, pisoteada por, acredito, mais de trinta séculos de gente morta. Pessoas vagueando sem rumo, num silêncio mortal, sem trombarem. Parecia um show de rock cancelado pela falta de luz, mas os espectadores não perceberam. Aqui ficam as pessoas que simplesmente viveram. Fomos à terceira porta e deixamos os Campos de Asfódelos.


Os Campos da Punição era terrível. Ouvia e via-se pessoas chorando, lutando, agonizando. Um homem tentava tampar um buraco, mas cada vez que o buraco era tampado, ele tinha que tampar o mesmo que ele havia feito. Outro ficava cortando uma árvore, e quando esta caía, virava fuligem, e outra surgia bem na sua frente. Havia cães infernais, esqueletos e outras criaturas do Mundo Inferior aterrorizando a todos.


A quarta porta era na verdade, uma outra porta que dava nos Elísios, mas em uma ilha. A Ilha dos Abençoados, como era chamada, era destinada aos heróis que voltavam à terra de alguma forma e retornavam ao Elísio mais duas vezes ao morrer. Era muito melhor mil vezes.


Faltavam apenas duas portas. Entrei em uma sem ninguém me ver.


Entre na porta da esquerda
Entre na porta da direita

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Travessia

Por que esse homem está na minha frente, dentro de um barco?Por que pessoas que eu nunca vi na minha vida - mas de certa forma são parecidas comigo - embarcam e nunca mais voltam?

Tudo cheira a morte. Tudo ao redor é angústia. Tristeza é a única coisa visível nos olhos das pessoas. O rio quase não se movimenta e ouço lamentos ao invés do barulho da água. A areia próxima à margem é mais fina e tem um cheiro fétido. Quanto mais longe da água, mais grossa a areia, até eu perceber que ela é feita de ossos.

Onde estou? Quem são essas pessoas? Por que todas, apesar de tão diferentes, são parecidas? Essas perguntas e outras estão voando pela minha mente.

O barqueiro voltou e algo pesado surgiu em minhas mãos. Uma moeda de ouro entalhada com desenhos muito antigos, mas de nenhuma civilização específica.

O estranho barqueiro pareceu, por uma fração de segundo, se iluminar com a moeda em minhas mãos. Alguém do meu lado disse algo em outra língua, mas de algum jeito eu entendi. Entregue ao barqueiro. Vá.

Fui ao barqueiro e entreguei-lhe a moeda. Ele guia o barco em um rio formado por almas tristes e desconsoladas.

Me aproximo de uma porta imensa, pessoas andam sem rumo após passarem por ela. Sinto o cheiro de grama morta (...).

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Da minha janela...

Da minha janela vejo árvores altas, formosas, lindas ao pôr-do-sol. Ficam douradas, e quando chove, brilhantes como cristais.

Da minha janela vejo o reflexo do meu quarto. Meu edredom de bichinhos, três fotos com pessoas que eu amo me trazem uma nostalgia e um sentimento entorpecente. Sorrio, meus dentes brancos são a única luz que vejo ao olhar pra fora novamente.

Da minha janela vejo um show de luzes e explosões que me fascinam desde pequena. Brilhantes explosões azuis, douradas, vermelhas, amarelas e verdes colorem o escuro céu da meia-noite.

Da minha janela vejo as estrelas da noite, tentando iluminar junto com a Lua as desertas ruas da cidade. Seus brilhos chegam até a pracinha, embalando um casal apaixonado.

Da minha janela vejo a luz do Sol, tingindo as nuvens pela manhã com as mais belas cores, do laranja ao azul, como dentro de uma pintura.

Da minha janela vejo a Lua cheia brincando de esconde-esconde com as estrelas. Ora aparecem, ora ocultam-se nas nuvens.

Da minha janela vejo as luzes da cidade douradas ao longe, piscando e enchendo a terra de pontos luminosos, semelhante à luz das estrelas, que iluminam o céu com todo o seu brilho.

Da minha janela vejo um gato preto se escondendo nas sombras, brincando com um gato branco. Ambos param, miam, e recomeçam a algazarra.

Da minha janela vejo uma névoa encobrindo tudo, deixando a parte abandonada da cidade muito mais sinistra.

Da minha janela vejo flocos de neve dançando no ar como bailarinos. Pulam, giram, depois ficam juntos no chão esperando o verão para derreterem e virarem novamente água líquida.