quarta-feira, 2 de julho de 2025

Resquícios da humanidade

 nº 456 segurava a nº 222 no colo e olhava com ódio para o vidro....


E assim nos despedimos de Round 6. Uma série que poderia ter terminado na 1ª temporada, da forma que terminou. O nº 456 foi o vencedor do jogo, mantendo sua humanidade, tendo chorado pela perda dos companheiros que fez naqueles 6 dias. Ajudou os familiares daqueles que pôde e iria encontrar sua filha.

A série continuou por mais duas temporadas. Ele retorna ao jogo, tentando avisar os participantes do quão mortais eram os riscos, mas nos deparamos novamente com a ganância humana sendo prevalente, afinal de contas, o mundo real não era tão diferente quanto àqueles jogos infantis mortais que eles enfrentariam, mesmo que custassem suas vidas. A maioria ali devia muito mais do que poderia pagar mesmo que vivessem 100 vidas. Se agarrar à esperança que seriam sobreviventes ao final do jogo, cedendo mais ainda à ganância, à "inumanidade" era a solução plausível. Mas não para o nº 456. 

Comecei a temporada 2 com um pé atrás, já que para mim, a temporada 1 tinha fechado tudo de forma perfeita. Minhas hipóteses eram duas: ou ele ganhava novamente o jogo, sendo o primeiro bicampeão, ou ele morria. Em ambas opções, o restante do desenvolvimento não importava muito. O detetive provavelmente não conseguiria chegar na ilha, já que o capitão era do esquema, os VIPS nunca seriam descobertos, os jogos continuariam existindo. Se não naquele lugar, em outro. Assim a série finalizaria e estava tudo bem. É para isso que ela se propõe.

Como esperado, o que eu achei aconteceu. Fiquei triste com a morte do nº 456? Claro. Eu gostava dele como personagem. Eu gosto muito quando há um personagem que nos faz ter fé na humanidade quando você acaba torcendo (que ironia, não é mesmo) que os outros frutos podres morram. Por isso que Seong Gi-hun (o nº456) e personagens como Tanjiro, Deku e até mesmo em partes, O Ed Elric me cativam tanto e tendem a ser os meus favoritos. Não é porque eles são os mais fortes (podem até ser) os mais fodões, com o melhor desenvolvimento de personagem na obra. É pq eles conseguem enxergar a bondade, as feridas que transformaram as pessoas no que elas são atualmente e tentam fazê-las enxergar outro caminho, o caminho que não é o mais fácil, mas o caminho que faz você pensar "ainda existem pessoas boas, fé na humanidade restaurada" 

No fim, nº456 teve contato com dois jogadores nº 001 envolvidos diretamente com os jogos (um VIP e o líder que gerencia os jogos), tornou-se próximo e amigo de ambos e mesmo tendo experenciado que no primeiro jogo o nº 001 fosse um VIP, jamais desconfiou que o novo nº 001 também tivesse envolvido. Quando então vemos o conflito interno que o nº456 se depara em matar seus colegas para ser vencedor junto do bebê nº 222, ele tem a visão de Kang Sae-Byeok, jogadora anterior nº067 pedindo para ele não matar, pois não é do feitio dele. Quem sabe se o Líder não tivesse conhecido alguém como ela quando era jogador, não teria tido um futuro diferente? Tanto que, podemos ver mesmo por detrás da máscara, sua incredulidade diante da escolha de Seong Gi-hun em não matar seus colegas e seu sacrifício final, para proteger a bebê, conforme prometido tanto à jogadora nº 222 quanto à nº 149 (a idosa simpática). Vemos ainda que, à maneira dele, frente às atrocidades vivenciadas, ele tem sua humanidade. entrega a bebê nº222 com o cartão de crédito ao seu irmão, pois sabia que ela seria bem cuidada e protegida, assim como Seong Gi-hun prometeu. Vai até a casa da filha e entrega os últimos pertences de seu pai, a jaqueta ainda ensaguentada com o nº456 e o cartão de crédito dourado, informando que Seong Gi-hun faleceu. 

No fim, os VIPS não ficaram tocados com o sacrifício do nº 456 nem foram pegos, como era de se esperar. Os jogos continuaram. Como esperado. Cate Blanchett arrasando no ddakji e no tapa em LA. Pequenas pontas que já estavam amarradas na primeira temporada encontraram suas iguais para fechar em nós. Outras pontas que estavam pairando na temporada 2 foram amarradas, fechando-se um ciclo.

Um final bom, fechado, satisfatório. Entregou tudo que a série se propõe e manteve seus personagens fiéis ao desenvolvimento apresentado e às personalidades. Seong continuou sendo o "mais humano" (se é que podemos usar essse termo), nº 149 defendeu o que ela acreditava ser o certo e não conseguiu viver uma vida sem seu filho. os personagens filhos da puta continuaram sendo filhos da puta e detestáveis e a gente continuou sofrendo pelos personagens amáveis. 

E a crítica de que somos reféns da nossa ganância e palco dos que têm poder continua forte (ainda bem). 

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Despedidas

 Ela estava sentada no banco de madeira da praça, olhando para o nada, a garganta tentando processar a informação. Seu pai estava ao seu lado lhe fazendo companhia em silêncio. Era um dia gélido de outono, as folhas amareladas e laranjadas caiam delicadamente no chão quando batia uma brisa leve. Seu pai permaneceria em silêncio até que a filha se manifestasse.

- Pai - ela começou depois de longos minutos - Nunca te perguntei isso. Como foi quando a vovó morreu?

Ela olhou discretamente para ele, com medo que ao menor contato visual, ele pudesse sumir.

- Você era muito pequena não era? - ele perguntou, olhando gentilmente para a filha - foi doloroso. A gente nunca está preparado para ver os pais partirem. Mas era a hora dela. Veja bem, ela estava sofrendo muito, tinha câncer, fez vários tratamentos e nenhum deles deu resultado. Ela não se alimentava direito, não conseguia fazer nada sozinha.... foi difícil vê-la sofrer por tanto tempo...

- Mas....

Ela ia fazer outra pergunta, mas a garganta não deixou ela completar a frase. Ela levantou os olhos e observou os galhos mexendo levemente. Ela se encolheu de frio na cadeira e passou as mãos pelos braços, esperando gerar algum calor. Nem mesmo seu moletom era o suficiente naquele momento.

O pai continuou a observando calado. Mesmo sabendo a dor de ter perdido ambos pais, nem ele poderia imaginar como sua filha estava sofrendo naquele momento.

- E agora, o que farei? - ela perguntou com os olhos marejados e a voz embargada.

- Você vai chorar quando tiver vontade. Vai achar a vida injusta, vai olhar para seus colegas de outra maneira. Mas você também saberá acolher quem irá passar por isso também. A dor não vai se curar. A saudades estará sempre aí. Mesmo que um dia a ferida se feche, ela sempre permanecerá aberta. 

Ele tentou acariciar os cabelos da filha mas recuou. Pegou uma folha nos tons de vermelho no chão e olhou-a atentamente. 

- Você não verá muito sentido a partir de agora. Mas não desista minha filha. A vida ainda vai ter sentido. Você encontrará alguém que te confortará. 

Ela olhou, pela primeira vez, nos olhos do pai. Olhos cansados e gentis. Ela pôde ver seu próprio reflexo. Uma garota assustada, chorosa, ainda mais pela perda.

Seus olhos começaram a lhe trair e formaram lágrimas. Ela tentou engolir o choro, mas uma lágrima teimosa insistiu em sair pela lateral do olho, indo de encontro com a curva do seu nariz. Então a  lágrima teimosa desceu mais um pouco e ela pode sentir o gosto do medo e da tristeza. Outras lágrimas saíram e foram acumulando no seu queixo e aos poucos, molhando os bolsos de seu casaco.

- Queria poder voltar no tempo pai - ela falou soluçando - aproveitar melhor os momentos. Sorrir mais.

- Minha querida - ele falou - os pais não guardam mágoas assim dos filhos, ou pelo menos não deveriam. Eu e sua mãe sabemos o quão maravilhosa você é como filha, tente não se chatear por isso.

Ela limpou as lágrimas na manga da camisa e tornou a olhar seu pai, buscando a gentileza de seu sorriso. Ele estava bem mais magro do que ele já tinha sido e o rosto estava abatido, os cabelos estavam ralos e dava para ver os fios se acumulando em seus ombros. Várias rugas que não existiam desenhavam seu rosto. O brilho dos seus olhos estava se apagando.

- Eu estou tão cansado - ele anunciou para desespero da filha.

Ela apertou os lábios e as lágrimas tornaram a sair. Sua vista começou a embaçar e ela não conseguiu falar tudo que queria.

- Você ainda tem a mamãe - ele disse - se apoiem nesse momento difícil, eu gostaria de ficar mais, mas...eu preciso ir querida.

O pai deu um beijo na testa dela, mas ela mal sentiu por causa do vento. Ela olhou para o lado desesperada e se viu sozinha no banco, as folhas de outono caindo ao soprar do vento.

- Pai.... não vá. Eu..... amo.... você.... mamãe também....

As palavras mal saíram  e ela não sabia se o tinham alcançado. Ela chorava copiosamente, sentindo o vento de outono gelarem seus braços e as gotas da chuva se misturaram às suas lágrimas. 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Emma - sexta feira

O professor deu a última a aula da semana e eu espreguicei na minha cadeira. Estava exausta hoje e a última coisa que estava nos meus planos era estudar uma tarde inteira, para desespero de Yuki. Eu não consegui treinar direito o TKD essa semana e queria praticar umas sequências antes que elas começassem a me confundir. Porém, Yuki me lançava um olhar de dúvida e confuso durante as aulas, então no fim das contas decidi estudar com ela um pouco nessa tarde. Além do treino, eu gostaria de me divertir um pouco ou relaxar nesse fim de semana. Enquanto guardava meus materiais na mochila, dei por falta da minha fita de cabelo e lembrei que ela ainda estava com o Ray. Isso explica porque ele ocasionalmente me olhava com desejo, especialmente no fim das aulas. Então Emma, por que não hoje?

- Por favor Emma, me ajude com esse ciclo. Juro que hoje não terminamos muito tarde - Yuki implorava. Era impossível dizer não à ela nessas horas. 

- Tudo bem Yuki, tudo bem, mas só esse ciclo ein? Preciso aprender umas sequências difíceis até meu próximo exame, então vou começar hoje à tarde.

- Obrigada Emma - ela sorriu, acho que pela primeira vez um sorriso mais genuíno. 

Observei os meninos saindo de seus lugares, atrás de mim e se encaminhado para a saída. 

- Te encontro na saída do prédio, Yuki?

- Sim! Vou só perguntar umas coisas para o professor antes dele ir embora, já te alcanço.

Corri pelo corredor e me coloquei de frente para os dois. Enquanto Ray claramente buscava saber se eu estava usando sutiã hoje (claro que sim, só uma doida para usar blusa branca sem sutiã), Phill deve ter percebido que eu queria falar alguma coisa e anunciou:

- Vou indo na frente Ray, te encontro na portaria, tudo bem? - e sumiu para além do corredor. 

- Ei Emma, precisa de algo? - ele perguntou, o tom levemente irônico na voz. 

- Ei ei Ray! Lembrei que minha fita de cabelo ainda está com você - ele abriu o mesmo sorriso malvado que usou no primeiro dia de aula - Será que posso pegá-la com você na sua casa hoje, no fim da tarde?

Seu sorriso se desfez um pouco, o que para mim foi uma surpresa. Ele tinha comentado semana passada que sua mãe estava viajando, será que ela tinha voltado? 

- O que foi? Sua mãe voltou da viagem? Phill vai ficar na sua casa hoje? 

- Não, não é essa a questão. Com o Phill é tranquilo. E, bom, minha mãe volta nesse fim de semana, então.... 

Ah, já sei, talvez ele não queira que eu vá na casa dele e cause um mal entendido com a mãe. Faz sentido. 

- Você pode entregar minha fita de cabelo na minha casa então? Lembra como chegar lá? - Sua expressão mudou rapidamente para o sorriso de há poucos segundos atrás. 

- Lembro sim - ele continuou com o sorriso.

- Ótimo! Quando chegar, só tocar no 202. Depois das 19h vou estar livre - pisquei para ele e fui embora encontrar com Yuki na entrada. 

*****

- Ei ei Yuki, qual a dúvida que você estava tendo na aula?

- Dúvida? - ela perguntou, com a mesma expressão que me olhou durante as aulas.

- É, você me olhou umas 3 vezes durante a aula. 

- Ah sim... - ela parecia um pouco aérea, como se não lembrasse da aula de hoje - eu estou com dúvida nessa parte aqui - ela apontou para uma ilustração do livro. 

- Err, essa é a parte que o professor falou que a gente não precisava se preocupar porque não cai na prova - eu respondi. Ela corou.

- Tem certeza Emma?

- Tenho sim. Até anotei aqui no caderno. 

Ela olhou minhas anotações e as dela e parecia um pouco confusa. Mesmo sentando na frente e eu mais no fundo da sala, uma vez ou outra ela perdia uma informação importante, mas acho que isso acontece porque ela tenta anotar tudo que os professores falam. Deve acabar escapando uma explicação.

Após estudar o ciclo em questão que prometi que estudaríamos juntas, me despedi de Yuki e deixei-a na biblioteca, com os livros e cadernos. Peguei o caminho mais longo para ir para casa, aproveitando que é mais arborizado e com o tempo mais agradável. Eu não precisava pegar o sol de 3h da tarde hoje e poderia me dar ao luxo de correr por um caminho mais tranquilo. Correr e treinar sempre me ajudava a colocar os pensamentos no lugar e a processar tudo que eu estudei. A sensação que eu sempre tive é que se eu não fizesse nenhuma atividade depois de estudar, era como se fosse um dia perdido. 

Chegando em casa, coloquei minha roupa na máquina de lavar e troquei para um top e um short mais leve e confortável para treinar minhas sequências de chutes e socos. Apesar de ter dito à Yuki que meu exame de faixa estava chegando, ainda faltava uns 2 meses para a data, mas dois meses passam muito rápido, especialmente quando não se treina com a frequência e intensidade necessária. É a mesma coisa de estudar para as provas na faculdade, se a gente não estuda um pouco todos os dias, não vai estar bem preparado, não importa quantos dias tivemos para aprender. 

Perdi completamente a noção do tempo até que ouvi a campainha tocar. Já tinha passado das 7 da noite e eu não vi nem o céu escurecendo nem a fome vindo. Ray já estava na minha porta e eu estava suada, suja, com roupa de treino e sem nada para comer ainda. Pelo visto, ele vai ter que esperar um pouco. A campainha tocou novamente. 

- Sim?

- Ei Emma, trouxe sua fita de cabelo - respondeu Ray pelo interfone. 

- Já vou abrir. 

Liberei o portão e esperei o tempo que era necessário para a pessoa subir até o segundo andar e abri minha porta. Ray estava parado na frente, porém sem o moletom de sempre. Ele segurava minha fita de cabelo entre os dedos, mas parecia receoso de entrar, e também surpreso, provavelmente com minha aparência. 

- Ei ei Ray, entre. 

- Estava treinando, senhorita Emma?

- O que me entregou? - eu perguntei com ironia - minha cara vermelha, meu suor, eu estar descabelada ou meu top e meu short?

Ele riu enquanto entrava em meu apartamento. Ofereci a cadeira à mesa para ele sentar. 

- Água?

- Não, obrigado. Quer terminar seus treinos?

- Já terminei. Ou pelo menos meu saco de pancada está terminado - meu saco de pancadas estava ficando velho e gasto logo precisaria ser substituído. Já seria o segundo esse ano. 

- Está com fome Ray? Se importa se eu tomar um banho enquanto minha janta esquenta? 

- Eu lanchei com Phill antes de vir para cá, não se preocupe Emma, pode terminar suas coisas com calma. 

A voz de Ray era um pouco grave e calma. Seus cabelos pretos estavam desfiados e um pouco rebeldes hoje. Deixei minha janta esquentando no micro-ondas e fui ao banheiro. A melhor parte era poder tomar um banho quentinho após os treinos, isso renovava minhas energias e melhorava consideravelmente meu restinho de dia. Coloquei um short e uma blusa e fui para a sala, onde Ray continuava aguardando, mexendo no celular. Peguei meu jantar, sentei à mesa e coloquei um copo com água para ele. Eu estava muito curiosa quanto a ele, onde ele estudou e tudo mais. Mas foi ele quem perguntou primeiro:

- Ei Emma, você mora sozinha? - ele é observador.

- Sim, meus pais me mantém aqui para eu poder estudar. Pouco antes de começar o ensino médio, meu treinador sugeriu me mandar para outra cidade, para que eu pudesse treinar em uma academia mais equipada, onde eu poderia participar de competições mais sérias de TKD. Meus pais sabem que meu futuro sempre esteve atrelado aos esportes, então eles estavam felizes em ver que eu estaria mais perto do meu sonho, mesmo longe de casa - eu expliquei - Como você desconfiou?

- Sua casa tem poucas coisas, e tudo parece ser somente seu, deduzi que você deveria morar só. E também na semana passada, você estava com medo de que o idiota pudesse vir à sua casa - ele respondeu. 

Se o Ray começou, então eu poderia perguntar também:

- Você só leva as meninas para seu quarto quando seus pais não estão? Ou eles não vêem problema?

Ray pareceu ficar desconfortável na cadeira. 

- Minha mãe não interfere nos meus relacionamentos. E.... - ele claramente não queria falar alguma coisa. Ah, mas eu ia saber. 

- E...?

- Bom, não tem porque esconder isso de você, não é mesmo? Mas eu não levo nenhuma garota para minha casa, especialmente meu quarto. Você foi a única. 

Eu não consegui conter minha surpresa. Além do que tinha acontecido na festa da semana anterior, essa informação explicava a forma que Ray estava agindo naquele dia, e porque ele, que não escondeu seu desejo por mim durante a semana, estava tão desconfortável naquela hora, e, especialmente, a respeito da conversa que ele teve quando Phill chegou. 

- Que pena que a primeira garota que você levou para sua cama não era sua namorada - eu disse, sendo sincera. 

- Não me arrependo - ele respondeu e eu sorri. 

- A próxima garota que você levar vai ser sua namorada então - eu pisquei para ele. Só espero que ele não entenda isso como um pedido meu de namoro, ia ser estranho. 

- Sim, espero que sim - ele riu. 

Eu terminei minha janta e fui para a cozinha lavar a louça. Enquanto enxaguava meu prato, senti um cheiro forte de laranja. Senti Ray amarrando a fita nos meus cabelos, e sussurrou no meu ouvido, me fazendo arrepiar. 

- Ei Emma, larga essa louça ai - Ele tinha se aproximado mais de mim. 

Eu ri e mostrei a língua, o que parece ter divertido ele. Desliguei a torneira da pia e senti suas mãos em minha cintura, por baixo da blusa. Apressado. Ele virou meu corpo de frente para o seu e me puxou para sua direção. 

- Eu estou a semana inteira querendo transar com você Emma - ele se aproximou novamente do meu ouvido e pude sentir novamente o cheiro de laranja vindo dele. Sua voz arrepiou minha nuca. 

- Deixei você impaciente, foi? - eu ri dele. 

- Deixou - ele respondeu e avançou para me beijar. Dessa vez um beijo sem receios, sem medo, direto e cheio de desejo. Suas mãos não hesitaram em avançar por baixo da minha roupa, apalpando meus peitos e minha cintura, e eu também não me segurei, queria tirar a blusa dele logo. O cheiro de laranja de Ray me excitava demais para eu tentar ser boazinha naquele momento e ali eu não precisava me segurar. Ele parou para respirar, ofereci novamente um copo de água e dessa vez ele aceitou. Ray bebia da água e me observava enquanto eu checava as portas, janelas e cortinas de casa. Eu sempre fazia isso antes de dormir, como um ritual.

Ele deixou o copo na pia e me beijou novamente, me deitando no sofá, como se o beijo anterior não tivesse sido o suficiente para sentir meu gosto. Ali mesmo ele tirou minha blusa e começou a descer os beijos em direção aos meus peitos. Enquanto ele se demorava em meu cólo, o seu cheiro estava me embriagando naturalmente, e eu me permiti fechar os olhos enquanto aproveitava seu toque. Ele queria tirar meu short e minha calcinha logo e eu queria com mesma urgência. Ele me levantou e eu entrelacei minhas pernas em volta de sua cintura, enquanto o beijava.

- Onde é o seu quarto Emma? - ele perguntou baixo em meu ouvido, só para me fazer arrepiar mais ainda. 

- É na porta que está aberta naquele corredor - apontei para ele. 

Ele me carregou em direção ao quarto enquanto eu respirava aquele cheiro entorpecente. 

sábado, 9 de outubro de 2021

Yuki - Sexta feira

Emma estudou comigo naquela sexta só um pouco pois ela iria treinar. Ela tinha comentado que queria participar de uma competição após seu exame de faixa. Ainda achava engraçado Emma, aquela garota baixinha praticar um estilo de luta e não dança, que era o que eu achava que ela fazia. Apesar de que eu queria estudar mais com ela naquele dia, eu não poderia insistir quando ela tinha outras coisas para fazer também. 

A única coisa que ainda não fazia sentido era a parte que o professor disse que não cairia na prova. Por que será que não anotei essa parte, se ela era tão importante? E por que Emma disse que eu tinha olhado para ela com cara de dúvida durante a aula? Na verdade, eu nem me lembro exatamente de ter olhado na direção de sua cadeira... Afinal, por que mesmo eu estava olhando para o fundo da sala naquele momento? Enquanto eu estava tentando me lembrar do que me distraiu durante a aula, meu celular vibrou. 

Midori: Quer lanchar alguma coisa comigo na lanchonete antes de eu ir embora?

Respondi sua mensagem: Claro! Mal conseguimos nos encontrar nessa semana, vai ser ótimo! Me avise quando sua aula acabar.

Continuei estudando com os livros que ficaram na mesa, especialmente parasitologia e genética. Apesar de parecer muito com o que eu já tinha aprendido na escola, tinham muitas informações novas que às vezes me confundiam. As horas se arrastaram enquanto eu estudava essas matérias até que finalmente meu celular vibrou novamente, com a mensagem de Midori. Encontrei com ela na lanchonete alguns minutos depois, e ela estava muito arrumada e bonita. 

- Como estou Yuki? - ela me perguntou, se virando para que eu pudesse vê-la de todos ângulos. 

- Está tão linda Midori! Vai sair depois daqui? - Ela corou bem de leve, quase imperceptível.

- Não, quer dizer, talvez.... só queria me vestir mais arrumada hoje - ela respondeu, procurando algo no chão.  

Nós olhamos o cardápio da lanchonete, que não era muito diferente do que a gente tinha disponível na escola. Midori pediu um chá instantâneo e eu pedi um chocolate. Enquanto aguardávamos nossas bebidas, fomos conversando.

- Então Yuki, já recebeu o cronograma das suas disciplinas?

- Já, as provas vão acontecer em 5 ou 6 semanas.... Olhando assim parece que estão longes, mas só de pensar no tanto de matéria que tenho que estudar, sei que o tempo vai ficar apertado - respondi.

- Suas provas vão acontecer na mesma época que as minhas então - ela respondeu - Deve ser calendário da universidade.

- E suas listas de exercícios? Conseguindo terminar elas a tempo?

- Ah, nem me fale dessas listas - ela respondeu revoltada, inflando um pouco as bochechas - quando finalmente conseguimos finalizar, o professor manda outra com mais exercícios e mais difícil ainda! E acredita que ele não recolheu nenhuma lista até hoje? Ele tira nossas dúvidas na sala e manda a gente corrigir os exercícios que erramos. 

- Vai ver ele quer pegar todas no dia da prova - eu respondi. Os olhos negros de Midori se iluminaram igual duas pedrinhas. 

- Yuki! Deve ser isso! - ela disse batendo de leve na mesa.

Olhei para ela sem entender, e assustada com sua atitude repentina.

- Minha irmã disse que tem um professor que tem fama de enganar os alunos - disse Midori - ele não recolhe os exercícios e os alunos vão deixando para fazer as listas mais perto da data da prova. Aí ele recolhe tudo no dia da prova. Se você tirar nota baixa, as listas de exercícios que você fez ajudam a elevar sua nota. Mas a maioria não sabe disso! 

Fiquei olhando para Midori enquanto repetia mentalmente o que ela tinha dito. Se os alunos não sabiam dessa tática do professor, então como a irmã dela sabia?

- E como sua irmã sabe disso?

- Ela foi monitora da disciplina na época que ela estudou - Midori respondeu - ela chegava em casa com dó dos calouros porque a maioria dizia "ah, para que vou fazer essa lista de exercícios se ela não vale ponto e o professor nem olha?"

- E ela não podia falar com eles?? Coitados!

- Poderia, mas o professor poderia simplesmente parar de dar pontos nos exercícios e só considerar as notas da prova - Midori deu de ombros - então ela só continuava insistindo para a maioria dos calouros continuar a fazer as listas. 

Nossas bebidas chegaram. Midori estava animada com seu chá quente e eu com meu chocolate. A tarde no campus estava bonita e ventava pouco, mas já estava escurecendo. Logo seriam 18h30 da tarde e a biblioteca e os outros prédios estariam fechados. Só a praça central e o dormitório continuariam abertos. Provavelmente, assim que Midori fosse embora, eu iria direto para meu quarto. 

Pedimos um salgado para comer também. Queria aproveitar ao máximo o tempo que tinha com Midori, eu ainda sentia muita falta de estudar na mesma sala que ela. Lembrei do que Haru disse no fim de semana passado, de que Midori queria ser médica e meu coração ficou apertado. Mesmo vivendo minha vida inteira dentro do colégio, eu ainda tinha a liberdade de escolher o que fazer de curso e dali para frente, minha vida seria determinada pelas minhas escolhas. Midori não teria a mesma sorte, seu destino estava basicamente traçado desde o momento que ela nasceu, e isso era muito triste. 

Ela conferiu seu celular e respondeu uma mensagem. Já tinha esfriado um pouco e, apesar de querer ficar mais, queria poder tomar um banho quente logo. Terminamos de lanchar e Midori me acompanhou até o dormitório. Eram quase sete da noite e já estava escuro. 

- Midori, você vai voltar para casa andando hoje?

- Ah, não, eu vou de carro, não se preocupe - disse ela, olhando nos meus olhos. 

- Tem certeza? - perguntei, conferindo. Às vezes ela podia tentar ser um pouco rebelde, e eu tinha medo que isso a trouxesse problemas. 

- Tenho sim - disse ela, sorrindo para mim - oh, minha carona chegou! - Ela disse, segurando seu celular.

- Tchau Midori! Bom final de semana! Depois ligamos para conversar um pouco! 

- Tá bom Yuki! Bons estudos para você! 

Ela se despediu e foi embora, correndo. 

sábado, 2 de outubro de 2021

Ray - segunda feira

Phill ficou com preguiça de ir para sua casa no domingo então fomos juntos para a aula de morfologia naquela manhã. Mesmo que todos que estavam na festa viram eu e Emma juntos, eu não queria entregar sua fita de cabelo casualmente. Eu e Phill estávamos a caminho da sala quando trombamos com Yuki no corredor. 

- Bom dia Yuki - eu e Phill cumprimentamos. 

- Err, oi Phill, oi Ray, bom dia - ela respondeu, timidamente, suas bochechas ficaram rosadas, destacando com o resto do tom branco de sua pele - sabem como chegar na sala de morfologia? Acho que me perdi. 

- Sabemos sim, estamos indo para lá, só vir com a gente - respondi.

Ela assentiu e foi conosco, porém ficando atrás da gente, permanecendo em silêncio. Apesar de saber que ela estava logo atrás da gente, ela quase não fazia barulho ao andar, o que era muito estranho. Aparentemente, Phill ficou com gastura da ausência do som e resolveu puxar assunto.

- Então Yuki, como era a escola que você e Midori estudaram? 

Ela parou no corredor por alguns segundos, como se estivesse processando a pergunta que Phill fez. Dei uma cotovelada de leve nele, pois parece que ele fez uma pergunta indelicada à nossa colega de sala. Ele abriu a boca para se desculpar, mas ela respondeu:

- Era uma escola puxada, tinham muitas matérias avançadas. Muitas colegas minhas eram internas como eu, então a gente vivia no colégio. A maioria das meninas não eram legais comigo, só Midori que era minha amiga - ela falou atropelando as palavras - oh, desculpem se eu comentei algo que não poderia.

- Não precisa se desculpar por nada Yuki - respondi - que bom que agora você está num lugar diferente, não é? - Sorri para ela. 

- Sim, e aqui é muito melhor que lá, não é? - perguntou Phill, aliviado, sorrindo para ela também.

Ela corou novamente e tentou esconder o rosto timidamente. Seguimos em direção a sala de aula e ouvimos um grito ao longe:

- Yuuuuuukiiiiiii - Emma veio correndo e saltou, abraçando Yuki, que se assustou com a investida nada sutil da garota - Não vi a hora que você foi embora da festa! Me desculpa por te deixar sozinha!!

Yuki tentou se desvencilhar do abraço apertado de Emma, que estava novamente com um short curto e uma blusa comum. 

- Tudo bem Emma, eu demorei a voltar também, você deve ter ficado cansada e ido embora. 

Emma lançou um olhar discreto em minha direção enquanto Phill assobiava ao meu lado. Super discretos, ein?

- É, foi mais ou menos isso que aconteceu - Emma sorriu em resposta. 

- Que pena que todos vocês foram embora rápido. Me pergunto para onde Midori foi naquele momento - Yuki falou.

A amiga não falou nada com ela? Curioso. Phill continuou assobiando ao meu lado, mas Yuki não pareceu notar nada. Não era possível, era óbvio que Midori tinha sumido porque foi embora com o Phill, e ele não estava nem sabendo disfarçar as coisas. Como Yuki não notou isso tudo? Ela era lerda por acaso?

Chegamos na sala e o professor deu prosseguimento à explicação que ele tinha iniciado na semana anterior. Como usar o microscópio, os cuidados, o cronograma da disciplina, essas coisas. Aproveitei que essa aula não teria matéria e escrevi um bilhete para Emma, que estava sentada à minha frente.

Você esqueceu algo, lembra de pegar comigo no fim da aula. 

Ela rapidamente me devolveu o bilhete. 

Agora. 

Levantou-se da sua cadeira, com a garrafa de água em mãos e saiu da sala. Aguardei alguns segundos e saí da aula para "ir ao banheiro". Emma estava parada na frente do bebedouro, fingindo encher sua garrafinha. Me aproximei dela com a mão no bolso, segurando sua fita de cabelo. Não havia mais o cheiro cítrico daquele dia, porém a vontade ainda era de levá-la para o banheiro e beija-la. 

- Você esqueceu sua fita lá em casa, Emma - mostrei a fita, mas ela se recusou a pegar e não parecia surpresa. 

- Oh, eu não esqueci, eu deixei ela para você - disse, piscando. 

Emma muitas vezes era uma incógnita para mim. Acho que eu não tinha encontrado uma garota tão autêntica quanto ela antes. Talvez seja isso que me mantém interessado nela ainda.

- Achei que você me devolveria na segunda vez - ela disse, fechando sua garrafinha. 

- Podemos fazer agora, se você quiser - eu avancei em sua direção e sussurrei em seu ouvido. 

Emma deu um sorriso travesso e respondeu:

- Quem sabe depois da aula, Ray - ela sorriu e voltou para a sala saltitando. 

Aproveitei a saída da aula e bebi um gole de água e fui ao banheiro. A ideia de transar mais uma vez com uma colega era um pouco de novidade na minha cabeça, mas eu queria aproveitar. Retornei à sala e ao entrar, Yuki observou enquanto eu me dirigia à minha cadeira, ao fundo. Após o término da aula, Emma arrastou Yuki para perto de si e as duas foram em direção à sala de bioquímica. Phill me questionou no caminho o sumiço durante a aula de morfologia. 

- Então, o que a Emma queria?

- Ei Phill, você tá espiando pelas janelas agora?  - eu ri - ela tinha esquecido uma coisa lá em casa, fui devolver, mas ela se recusou. 

- Ah é? E o que era? E por que ela se recusou a receber? 

- Só uma fita de cabelo - eu respondi e Phill ficou decepcionado - mas ela deu a entender que quer encontrar novamente. 

- Opa, aí sim, em senhor Ray - Phill falou, me dando um tapa de leve nas costas. 

- E a Midori? Ela vai te procurar depois?

Phill colocou as mãos atrás da cabeça e suspirou. 

- Ela disse que sim, não quis pegar meu número de telefone nem nada parecido. Acho até melhor, para falar a verdade. Se ela quiser alguma coisa, ela sabe onde me achar, não é mesmo? 

Assenti e fomos em direção à próxima aula. A matéria de hoje alcançou o que nós estudamos adiantado na semana anterior, e Phill ainda ficou um pouco sonolento. Provavelmente ele iria querer estudar novamente, mas antes eu gostaria de confirmar se Emma animaria alguma coisa. Após o término da aula, enquanto Yuki guardava suas coisas, cutuquei Emma de leve. 

- Ei Emma, quando vai querer sua fita de volta?

- Eu te aviso - ela piscou e saiu saltitando ao encontro de Yuki, que aguardava do lado de fora da sala. 

- Mais uma tarde de estudos na sua casa? - Phill se pendurou em meus ombros, observando Emma levantando uma ventania enquanto saia.

- Acho que sim - respondi. 

No caminho para minha casa, Phill estava inquieto no banco do carro.

- O que foi Phill?

- Sua mãe fica fora até quando? 

- Deve voltar no fim de semana, por quê?

- Saber só - mentiroso. Ele queria perguntar mais alguma coisa. 

- Fala Phill, você não me engana. 

- Não é nada não Ray.

- Pergunta logo Phill. Tá parecendo criança.

- Aff, tá bom cara - finalmente - como foi com a Emma? Vai levar ela para sua casa de novo antes da sua mãe voltar?

Sabia. Phill e sua curiosidade com as garotas. 

- Foi bom e foi diferente. E não, não pretendo levar ela para meu quarto de novo - não para o meu, mas para outro, sim - já falei que não quero levar nenhuma garota lá para casa a não ser que seja algo sério.

- Foi o que você disse antes de levar a Emma ein? - Phill me provocou.

Dei um soco mais forte em seu braço, porém eu ria mais do que estava irritado. 

- Se mudar de ideia.... - lá estava Phill, querendo me irritar. Revirei os olhos.

- Vai procurar a Midori, vai Phill - eu retruquei de volta - sei que você tá doido para transar com ela de novo.

Ele riu sem graça. Sabia que se eu devolvesse na mesma moeda ele pararia. 

- Ei Phill, você notou que a Yuki não sabia a respeito de vocês dois? - eu lembrei do que ela comentou mais cedo nessa manhã. 

- Será que ela não estava falando de zoeira? Midori e eu "sumimos" ao mesmo tempo, ela deve ter percebido. Igual quando ela voltou e você e Emma não estavam mais na festa. 

- Sei não Phill, ela parecia realmente não saber para onde todos nós fomos.

Phill deu de ombros e desligou o carro, pois já estávamos na porta de casa. Mais uma tarde de estudos pela frente, e talvez mais uma semana normal.

sábado, 18 de setembro de 2021

Ray - Sábado

- ... e agora a Emma esta dormindo no outro quarto.

Olhei para Phill, esperando sua reação. Ele começou a rir.

- Pára Ray! Você não é de brincadeiras. O Rich aparecer na festa eu acredito, mas a Emma estar aqui? Desculpa cara, mas vai ter que se esforçar mais para eu acreditar nessa.

Permaneci sério, olhando para Phill. Em um segundo seu sorriso se desfez. 

- Acho que você está falando sério sobre a Emma - ele disse passando uma mão na testa - mas cara, como isso foi acontecer?

Levantei do sofá e comecei a andar pela sala, tomando cuidado para não falar muito alto e acordar a Emma.

- Já falei Phill. Aconteceu. Não estava nos planos trazê-la para cá para transar - eu não sabia mais o que dizer. 

Phill se levantou do sofá, apertou meus ombros e perguntou:

- Quer beber alguma coisa? Cerveja?

-Não, obrigado. Acho que vou tomar um banho e tentar dormir. 

Phill continuou na sala. Ele claramente estava ainda animado, o que era bem estranho devido à hora e eu estava cansado demais para tentar entender seu entusiasmo. Amanhã eu levaria Emma para casa e passaria o resto do dia com Phill. Aí sim a gente poderia conversar direito e eu entenderia porque ele estava tão animado e feliz. 

Passei na frente do quarto de Emma, prendi a respiração e andei devagar, tomando cuidado para não fazer nenhum barulho. Não queria acordá-la e também temia um pouco que ela resolvesse tentar uma segunda transa naquela noite. Claro, eu não me importaria, desde que estivesse tudo bem para ela, mas não com Phill na sala. Ela estava dormindo. Respirei aliviado e fui para o banheiro. 

Enquanto deixava a água quente caindo na cabeça, percebi, meio que da primeira vez, de onde vinha o cheiro cítrico que senti em Emma depois que ela tomou o banho. O cheiro do meu shampoo não era assim tão forte, então por que será que o cheiro ficou tão marcante nela? Conforme a água ia levando o estresse embora, me lembrei de nosso momento no quarto. Seu cheiro, sua pele macia, seus toques, sua... intensidade. O tanto que liberdade a descreveria bem, ser intensa era algo que fazia parte dela também. Ri da ironia que eu me encontrava enquanto finalizava meu banho e coloquei meu pijama. Tudo que eu queria naquele momento era afundar a cabeça no meu travesseiro e dormir. Então lembrei de Phill no sofá.

Phill aparentemente já tinha se arrumado no sofá. Ele era praticamente de casa, então sabia onde pegar as coisas que precisava. Fui até ele. 

- Ei Phill, quer jogar video-game ou alguma coisa assim? Comer algo?

- Precisa não Ray. Você tá com uma cara bem acabada aí. Acho que o estresse de ter encontrado o Rich e não ter dado um soco nele foi maior que ter a Emma aqui na sua casa, não é?

Sentei novamente perto de Phill. Apesar do sono, era bom ter o amigo que me entendia e não me julgava. Qualquer outra pessoa iria embora para me deixar a sós com a Emma, dizer para aproveitar o momento e tudo mais, ou então me zoar por eu ter ficado conturbado de tê-la trazido para cá, mas não Phill. E sim, ele estava certo. Em parte, o encontro com Rich me desestabilizou muito mais do que ter Emma em casa. Mas não me afetou tanto quanto ver Emma sendo levada por aquele idiota do Lucas. Minhas mãos começaram a suar com a lembrança.

- Preocupa não Ray - disse Phil apertando meus ombros de leve - se a gente ver aqueles babacas de novo, a gente se arrebenta com eles. Podemos os dois ir para o hospital, mas pelo menos levamos eles também. 

Phill conseguia me fazer rir dessas coisas. Imaginar a gente tentar bater no armário ambulante que é o Rich era insano, mas imaginar a cara roxa dele era ótimo. 

- Vai lá dormir Ray. Amanhã a gente leva a Emma em casa, depois podemos esquecer as coisas com os jogos, se você quiser - Como eu disse, um amigo que me entende. 

Meus sonhos não foram muito diferentes dos que eu tive ao longo da semana, a diferença é que agora eu sabia exatamente como era o corpo de Emma por baixo das roupas. Acordei no dia seguinte com um humor melhor. 

Emma já estava de pé e, meio sem jeito, tentava preparar o café da manhã na cozinha. Ela abandonou os moletons velhos da minha mãe e voltou a usar o vestido de ontem. Phill ainda dormia no sofá. 

- Que ajuda, senhorita Emma? 

- Bom dia Ray - ela sorriu - er.. tentei preparar algo, mas não consegui encontrar o que eu precisava. Onde você guarda farinha e ovos?

- Não precisava se incomodar Emma, eu ia preparar o café da manhã. 

- Ah, eu já estava ficando com fome - ela disse, soprando uma mecha da testa - desculpa se invadi sua cozinha. 

- Não tem problema. Quer deixar que eu assumo daqui? Ou quer finalizar o que você estava preparando?

- Ovos e farinha, por favor - ela disse, com os olhos brilhando. 

Após acordar Phill e tomarmos o café da manhã que Emma preparou (que estava muito bom), Phill e eu levamos Emma em casa. Ela morava relativamente perto da faculdade e a rua parecia ser bem tranquila, pois não tinha movimento de carro. Antes de voltar para a minha, Phill perguntou:

- Ray, minha tia tá precisando daquela força com as mercadorias dela. Topa ir lá resolver isso agora antes de ir para sua casa?

- Só se for agora. 

Phill mora com sua tia desde que eu me lembre. Ela trabalha com comércio e acredita que todo mundo deve batalhar para ter dinheiro, assim, Phill faz alguns serviços para ela desde pequeno e recebe seu salário, por isso já tem carro e tudo mais. A minha sorte é que ele sempre divide algumas funções comigo e estou conseguindo juntar uma boa grana. A maioria das coisas que fazemos é descarregamento de mercadoria, colocar em estoque, fazer anúncios no site dela e ficar de olho se alguma promoção aparecer. É tranquilo e muita coisa dá para fazer de casa mesmo. A tia de Phill é bem generosa com a gente e sempre ganhamos alguma comissão quando algo que anunciamos vende. Acontece uma certa competição amigável entre nós dois para saber quem vai vender mais no fim do mês. 

- Ei Phill - peguei uma caixa nos ombros enquanto ele pegava outra - e seu bom humor de ontem mesmo voltando cedo?

Phill riu e a luz do sol iluminou seu rosto, deixando seus olhos mais azuis e ele fez aquela cara de sempre. 

- A Midori quer sair mais vezes comigo. 

Quase deixei a caixa cair no chão. Aquela informação não combinava com o Phill que eu conhecia. 

- E como isso te deixou de bom humor?

- Eu de cara quis desistir - ele respondeu - mas ela falou comigo que não quer nenhum relacionamento, só sair para curtir mesmo. 

- E você, Phill, acreditou nela?

- Não - algo não fazia sentido - mas ela já sabe que eu não quero nada sério, então de todo jeito está avisada. 

Nós continuamos a transportar as caixas para o estoque da loja da tia de Phill em silêncio, cada um digerindo a noite anterior. Phill sabia que naquele momento eu não queria conversar nada a respeito de Emma ou sobre o encontro desagradável com Rich, então ele não comentaria nada até o momento que eu resolvesse falar. O cheiro inebriante do meu shampoo nos cabelos de Emma me desnorteou na noite anterior e ainda estava marcado em minha mente e, além disso, meu corpo ansiava em tê-la mais uma noite. As memórias de Emma em meu quarto, com o moletom largo demais para seu corpo, me olhando daquele jeito sedutor, usando sua voz doce para me persuadir... E agora eu estava aqui, querendo experimentar tudo novamente. Pelo olhar do Phill, imagino que ele esteja pensando no mesmo que eu. 

Terminamos de descarregar todas as caixas depois de duas horas de trabalho. A tia de Phill nos pagou, passou as informações do que teria que ser anunciado na próxima semana e fez um lanche para nós. Phill subiu no seu carro e eu fui logo atrás. Voltamos para minha casa. 

Peguei meu video-game e instalei na TV da sala. Mamãe reclamava que o barulho atrapalhava a concentração dela na hora de montar as provas e corrigir os trabalhos, então eu só tirava do meu quarto nas férias ou, no caso, quando ela não estava. Após uma tarde inteira jogando com Phill e conversando sobre nada muito relevante, Phill soltou uma:

- Acho que a Midori era virgem e não quis falar. 

Eu morri no jogo. Porra Phill, como você fala uma coisa dessas bem no chefão?

- Como assim Phill? - perguntei enquanto reiniciava o jogo. 

- Sabe quando elas não sabem muito o que fazer? Ou quando fecham os olhos ou se cobrem quando a gente tira a roupa? Então. 

Dessa vez eu não iria morrer. Pausei o jogo, já que Phill continuou apertando o botão de atirar sem notar que seu personagem também estava fora da jogada. 

- Ela não comentou nada mesmo? Mas você não disse que ela estava com camisinha? Geralmente elas carregam quando já esperam por isso, não?

- Não, não comentou. Quando perguntei, ela desconversou - senti o incômodo dele em sua fala. Mesmo animado com a possibilidade de transar com ela de novo, Phill estava apreensivo pela possibilidade dela ter se arrependido. Às vezes isso acontecia e era uma situação chata para as garotas. 

- Ei Phill, tenta relaxar. Ela não estava animada depois e te falou que queria encontrar de novo não é? Ela deve ter curtido, independente se era a primeira vez ou não. 

- É, ela parecia bem animada quando deixei ela no dormitório. Só tem uma coisa que não entrou direito na minha cabeça: por que será que ela não quer que a gente se aproxime da Yuki?

- Sei lá, vai ver é uma amiga ciumenta. 

Phill deu de ombros e voltou a atenção ao jogo. Depois de muito tentar, conseguimos vencer o chefão. Já era muito tarde e, para variar, Phill preferiu passar a noite em minha casa. Enquanto ele foi tomar banho, fui arrumar a cama dele no quarto onde Emma passou a noite. O cheiro dela ainda estava no ar e notei que ela esqueceu a fita que estava nas mechas do seu cabelo em cima da mesa. Levei para meu quarto e guardei cuidadosamente em minha carteira, para entregá-la na segunda-feira. Curiosamente, só notei agora que meu quarto também tinha o cheiro de Emma por todo lugar, em especial meu travesseiro e minha cama. Então é assim quando a gente trás uma garota para o próprio quarto

Senti Phill me cutucando com os pés. 

- Ray? Tá sonhando de novo aí? Vai tomar banho cara. Depois você sonha com a Emma. 

Phill deveria estar muito cansado, porque quando saí do banho já dava para ouvir ele roncando no quarto. Desliguei o video-game, apaguei as luzes da casa e fui dormir, com o cheiro cítrico já fraco, me fazendo lembrar de como perdi feio o jogo para Emma na noite anterior. 

sábado, 11 de setembro de 2021

Yuki - fim de semana

Nós duas acordamos quando o sol já estava alto, indicando que o horário do almoço estava próximo. Fomos para a casa de Midori andando e conversando no caminho. 

- Então Yuki, gostou de aprender a dançar?

-Até que foi divertido. Mas ainda acho que não levo jeito. 

- Ah, leva sim! Você pegou muito rápido os movimentos que a Emma estava mostrando

- E você Midori? Me disse que não sabia dançar, mas sabia sim! Você dançava tão bem quanto a Emma. 

- Se eu tivesse dito que saberia você não iria querer tentar Yuki.

Midori me conhecia muito bem. Eu não gostava quando aparentava que todo mundo sabia de algo e eu não entendia. Me deixava um pouco ansiosa. 

- Você chegou muito tarde? - perguntei a Midori, sem esperar a resposta. 

- Um pouquinho - Ela corou levemente, o que era uma novidade. Dificilmente eu conseguia fazer a Midori ficar sem graça ou com vergonha sobre alguma coisa, geralmente é o contrário - Você já estava dormindo, não queria te acordar. 

- Não é incômodo nenhum qualquer coisa que venha de você Midori - disse a ela. 

Ela mexeu um pouco nos seus cabelos longos, segurando uma mecha de cabelo entre os dedos. Ela estava pensativa sobre algo. Quando éramos mais novas, dificilmente ela ficava submersa em seus pensamentos, mas desde que entramos no ensino médio, seus momentos de silêncio tinham ficado mais frequentes. Problemas de família, na maioria das vezes. Eu não sabia o que era isso. Só sei que quando chegasse a hora certa, ela me contaria o que tanto a preocupava. 

Logo chegamos à casa dela e sua mãe estava à nossa espera, nos recebendo na porta com um sorriso.

- Midori-chan, Yuki-chan, bem vindas de volta! Haru está aqui hoje!

Haru é a irmã mais velha de Midori, mas eu só conhecia por foto e na chamada de vídeo que tivemos no início da semana. Elas eram muito parecidas, com exceção de que os cabelos de Haru batiam em seus ombros, enquanto os de Midori quase chegavam na cintura. Fomos almoçar. Por ser de uma família tradicional, eles seguiam as tradições do Japão mesmo fora do país. O estilo da casa, as regras de etiqueta, a alimentação.... O que eu não sabia fazer Midori me ajudava. 

- Yuki-chan, os sapatos estão servindo bem? Tem certeza que não precisa de mais alguma coisa? - Mãe de Midori me perguntou.

- Estão sim dona Natsuki - respondi corando como sempre - não precisa de se incomodar. 

Ela sorriu discretamente. Midori se parecia muito com ela. 

- Midori - o pai dela falou - leve sua amiga para conhecer a casa depois. Dependendo do que ela quiser cursar na faculdade, podemos arrumar algum cargo para ela na empresa. Aproveite a visita de sua irmã para vocês conversarem a respeito. 

Não entendi o que ele queria dizer. Pensando bem, Midori não costumava falar muito do que seus pais faziam. Acho que ela evitava o assunto. Não entendo os motivos, afinal ela parecia ter uma família bem feliz. Ela tinha uma casa bem grande, uma mãe amorosa e uma irmã companheira. Eu não tive nada disso durante minha vida, únicos afetos que tive foram de poucas irmãs e de Midori. Então para mim era difícil entender o que ali poderia incomodar ela. 

Após o almoço, Midori e sua irmã Haru me mostraram tudo da propriedade. Além da casa principal, havia uma casa menor usada para reuniões de negócios dos pais delas, um espaço para o banho tradicional, e cercando cada espaço da propriedade, um belíssimo jardim. Haviam pedras espalhadas, um pequeno riacho correndo por todo o terreno, uma ponte de pedra, flores, árvores e postes para iluminação à noite. Haru parecia mais à vontade para falar dos negócios de sua família e Midori estava um pouco incomodada, colocava a mão na cabeça algumas vezes para tampar o sol e disse que iria só tomar um remédio e voltava. Fiquei sozinha com Haru. 

- Yuki-chan, imagino que Midori-chan nunca comentou a respeito do que trabalhamos, não é?

- Não, nunca comentou. 

- Sabe o motivo dela ser tão fechada quando o assunto é família?

Aquilo atiçou minha curiosidade. Mesmo conhecendo Midori há pouco mais de 10 anos, nunca me atrevi a perguntar as coisas que ela naturalmente não me contava. Ela era muito fechada em alguns aspectos. 

- Nossa família tem tradição em trabalhar com peças mecânicas para robôs. Babás inteligentes, essas coisas. A maioria são para auxiliar em tarefas pesadas ou perigosas aos seres humanos, mas estamos ampliando também para auxílio doméstico. 

Eu já tinha visto alguma coisa dessas em uma das fotos que Midori me mostrou uma vez. Estava na foto com a Haru e com o marido dela. 

- Dessa forma, cada membro da família fica em algum país para expandir os negócios. Como você pode ver, a empresa do meu pai lucra muito, por isso temos uma vida muito confortável, mas isso requer um preço que para Midori parece ser mais alto. 

- Como assim Haru? - eu não sabia o que era este "preço", mas não me parecia algo muito bom ou justo.

- Nós duas, como herdeiras da empresa, não podemos seguir uma carreira diferente. Não podemos ser exatamente quem nós quisermos. Isso inclui o curso da universidade e, obviamente, os pretendentes para o casamento. Meu casamento foi arranjado quando eu tinha a idade de Midori. Ela não quer ter o mesmo futuro que eu tive, mas temo que ela não conseguirá escapar, afinal de contas, a ideia é que os negócios permaneçam na família, dessa forma casamos com um parente ou no máximo, com algum herdeiro de uma empresa subordinada às nossa.

O almoço começou a embrulhar no meu estômago. Aquilo parecia ser algo muito cruel. Não poder escolher a profissão nem com quem a pessoa passaria o resto da vida? Era algo muito horrível, mesmo com todo o dinheiro e com o sucesso da empresa. 

- Porém - Haru continuou - O que Midori não sabe é que eu e meu marido estamos investindo em um ramo que ninguém da nossa família quer arriscar, e que eu sei que Midori vai gostar. 

- E qual é?

- O de próteses humanas. Eu e meu marido estamos firmando parceria com uma outra empresa para investir na construção e no desenvolvimento de próteses humanas. Tenho certeza que quando Midori souber, ficará extremamente feliz. Quando pequena ela dizia que queria ser mecânica de gente. Mesmo que ela não possa ser médica, ela ficará feliz em saber que poderá desenvolver próteses. 

Lembrei de Midori pequena, tentando reconstruir meu baú quebrado e chorando porque ela não conseguia. Lembrei das irmãs brigando com as garotas do quarto que quebraram o meu baú, mas nada fizeram para substituí-lo. Ele continuou quebrado e Midori continuou chateada por não poder fazer nada. Desde pequena ela tinha influência da família do que faria no futuro.

- Por favor não conte à Midori sobre essa novidade, Yuki. Estamos providenciando um estágio com um dos engenheiros da empresa parceira, mas só contarei ao papai e a ela quando estiver tudo acordado. 

Assenti com a cabeça. Ela logo mudou o assunto, pois Midori se aproximava:

- As roupas couberam bem em você, Yuki-chan?

- Er, sim, couberam, obrigada Haru - eu corei.

Midori chegou com uma bolsa de gelo na cabeça. 

- Bati minha cabeça na mesa do meu quarto - ela disse, olhando para o chão. Mas eu conhecia Midori e sabia que aquilo era mentira.

Fomos para o quarto de Midori. Ele era grande, espaçoso, porém relativamente vazio. Tinha uma cama grande demais, uma mesa, uma estante com muitos livros e uma pequena estante com protótipos. Enquanto ela procurava algo pelo quarto, observei de perto as peças montadas, cada uma marcada com um ano diferente. Fiz as contas e a mais antiga batia quando Midori fez 7 anos e era uma peça simples comparada com a datada mais atual, do ano passado. Eram todas peças que pareciam ser parte do corpo humano. Um dedo, um joelho, um pé, uma mão.... As mais novas possuíam muitos detalhes, eram mais trabalhosas e eram mais parecidas com uma prótese real. Comecei a entender o que Haru disse que aquele ramo animaria Midori. Ela parecia gostar disso desde pequena. Pensando bem, mesmo com mais de 10 anos como sua amiga, percebi que conhecia muito pouco da Midori além da escola. Isso me entristeceu um pouco.

- Yuki! Ah, está vendo minhas montagens? Legais, não? - ela se aproximou de mim, ainda segurando a bolsa de gelo na cabeça, um pouco melancólica - Esse dedo eu fiz quando tinha 7 anos - disse ela apontando para a peça mais antiga - esse aqui era para ser um joelho, mas não consegui finalizar direito. Essa última que eu montei foi o pé e eu tentei modelar como se fosse um pé de verdade, com todos os ossos - ela apontou para o pé, que realmente era um modelo muito perfeito. 

Apesar de estar falando com entusiasmo de seus modelos, senti que sua voz estava um pouco triste. Imaginei se a questão do que Haru comentou sobre o casamento arranjado seria uma realidade próxima para Midori e fiquei com um aperto no coração por ela. 

- Yuki, posso te perguntar umas coisas?

- Claro Midori, você sabe que não precisa pedir permissão para perguntar nada para mim, sou sua amiga. 

Ela me levou até sua cama e nós duas sentamos de pernas cruzadas. 

- Como são as aulas nas áreas biológicas? Quais matérias você tem?

- Ainda estão relativamente fáceis comparadas com as que a gente tinha no colégio - respondi, surpresa com a pergunta. Ela não precisava pedir para perguntar aquilo - ainda não tive todas as aulas, mas temos morfologia, química 1, bioquímica, parasitologia geral, genética e biologia molecular. Estou tentando estudar todos os dias após as aulas para não deixar nenhuma matéria acumular. Na maioria das vezes, Emma estuda comigo. E as suas aulas?

- São muito mais difíceis que as do colégio. Temos cálculo 1, algoritmo 1, geometria 1 e física e química fundamental. Mesmo sendo menos disciplinas, a gente sai da aula com a sensação que o cérebro desistiu de pensar. - Ri da expressão que Midori usou. Era exatamente assim que eu me sentia após genética e parasitologia - e seus professores?

- São bem diferentes dos que davam aula no colégio... a maioria só fica falando sem parar. O professor Carlos de bioquímica é o melhor, na minha opinião. E o de biologia molecular dá pouca aula e prefere liberar a gente para estudar por conta própria. O de química ainda não conheci porque as aulas só começam semana que vem. E os seus?

- São iguais. Falam, falam, falam e depois passam uma lista de exercícios enorme para a aula seguinte. Acabo madrugando para terminar as listas ou acordo antes das 6h para dar conta de fazer tudo. 

Eu sabia que Midori não gostava de acordar cedo, ouvi-la dizer quer acorda às 6h para fazer as atividades da faculdade mostra o quanto ela é comprometida, mesmo os que ela não goste de fazer. 

- E sua cabeça Midori? Está melhor?

Ela segurou o gelo com uma das mãos e o colocou sob o travesseiro. 

- Está - ela riu um pouco - acho que eu tomei mais bebida na festa do que pretendia - ela deu um sorriso sem graça.

- Aquela bebida horrível? Como você consegue? - ainda tinha resquícios na minha memória daquele álcool queimando minha garganta.

- Eu bebia um pouco escondido do copo da Haru quando tem as reuniões aqui em casa. Acho que ela já notou, mas finge que não vê. Meus pais se souberem, não vão me deixar sair mais. Só poderia tomar quando... - ela se silenciou, fazendo uma careta. Imaginei que poderia ser algo relacionado ao que Haru comentou mais cedo nos jardins a respeito do futuro de Midori. Dei esse espaço a ela. 

- E seus colegas Midori? A gente ficou mais perto dos meus colegas na festa. Não conheci muitos dos seus. 

- Ah, ainda não tivemos muitas oportunidades de nos conhecer. A gente sai meio atordoado da sala e as listas de exercícios são todas individuais. Achei que conseguiria conversar mais com eles na festa, mas o som estava muito alto para isso. E os seus?

- Já consigo identificar quais eu devo seguir para não me perder pelos corredores e quais não devo seguir - Midori fez uma cara engraçada nesse momento - ah, esses últimos costumam faltar nas aulas. E também tem a Emma, que foi a pessoa com quem mais conversei durante a semana e estudei junto. 

- Sei... e aqueles dois bonitos que estavam com ela? 

Eu corei à menção de Ray e de Phill. Nunca parei para conversar com eles, mas a beleza deles era de me desconcentrar. 

- São do grupo de alunos que eu posso seguir para achar as salas, nunca nem atrasam. - Midori fez uma cara de surpresa e continuou esperando por mais informações. Preferi esperar ela dizer o que queria que eu dissesse.

- E o que você acha deles Yuki? - ela perguntou, levantando uma sobrancelha.

- São bonitos né? Me lembram daquele mangá que você levava para eu ler, o que a gente não sabe como termina - não consegui impedir minha pele de ficar mais vermelha do que estava. Tenho certeza que se fosse Emma, ela continuaria fazendo mais perguntas para ver até que tom eu ficaria. 

- É, são bonitos mesmo... Andou pensando em algum deles?

Senti minha pele esquentar com a pergunta de Midori. 

- Não.... Estava muito preocupada com as minhas matérias. Acho que vou ter que estudar mais genética e talvez parasitologia. 

Midori suspirou, o que eu pensei que foi de alívio. Nós continuamos a conversar sobre as diferenças entre o colégio e a faculdade, sobre a liberdade que é estar fora do colégio e Midori disse que ouviu de algumas pessoas que estavam na festa de ontem que os alunos estavam entusiasmados para fazer outra. 

Quando assustei, já estava escuro. Haru trouxe um lanche para nós e falou para eu dormir na casa naquela noite. Antes mesmo que eu pudesse protestar, Midori já tinha buscado uma toalha e uma muda de roupas de sua irmã para mim. 

Após o jantar, Midori queria dançar um pouco mais daquelas músicas que tocaram na festa. Eu protestei, mas ela me convenceu a dançar com ela. Com muita paciência, ela me ensinou um pouco mais de como me mover como ela e Emma faziam e depois de mais de 2 horas, ela disse que eu estava muito melhor do que no dia anterior. 

- Amanhã vamos treinar mais Yuki! Assim você vai poder aproveitar mais da próxima festa que tiver!

Eu já estava bem cansada quando fomos dormir, portanto nem conversamos até o dia raiar. 

No domingo nós andamos pelos arredores da casa e dentro da propriedade da família de Midori e ela insistiu para a gente dançar de novo. Até Haru se juntou na brincadeira na parte da tarde. À noite, Haru voltou para sua casa e me deixou no dormitório no caminho. Até que tirar o final de semana para divertir com Midori foi muito bom, eu estava morrendo de saudades dela.