Está escuro do lado de fora, o céu está nublado. Miki se
levanta e senta-se em outra parte da sala, um pouco mais iluminada. Peter pega
seu refresco e senta-se no chão, perto dela.
-Mas se essa era uma regra tão importante, por que não fui informado
desde o início? – perguntou ele.
-Peter, você já tinha conversado comigo antes de ir nas
aulas. Isso fez com que o assunto se tornasse inconveniente para a turma.
Peter lembra-se de todas as vezes que ele comentava sobre
Miki com seus colegas eles agiam como se não soubesse do que ele estava
falando. Tudo começou a fazer sentido.
-E a sua carteira? Por que ela é a única velha da turma?
-É assim que eles diferenciam o aluno inexistente. Faz parte
de tudo.
-Na sua mesa estava escrito uma frase. “Quem será o morto?”.
Foi você quem escreveu?
Miki olha para o lado por um instante.
-Sim. Fui eu. Eu tenho certeza que eu não sou a pessoa
morta. Então eu pensei: “se não sou eu, quem será?”.
-Como você sabe que não está morta? Como pode ter tanta
certeza? Você mesma disse que até mesmo a memória dos alunos é alterada.
-Eu sei porque...
Nesse instante, a porta da sala onde eles estão se abre.
-Miki, você está aqui? – uma voz feminina ecoou.
A mãe de Miki,
Kimiko, entrou na sala, com um lenço amarrando os cabelos.
-Esse é meu amigo, Peter. Ele que ligou.
-Desculpe incomodar – respondeu ele.
-Não é incomodo. Miki raramente trás amigos para cá.
Desculpe as minhas roupas. – disse ela, retirando o lenço da cabeça e soltando
os cabelos enquanto andava pela sala – ele por acaso é da sua sala ou do clube
de artes?
-Peter também é cliente do piso inferior – disse Miki – ele
parece adorar os objetos expostos.
-É mesmo? – perguntou ela – esse é um hobby um pouco estranho para
meninos. Então você gosta de bonecas?
-Bem...- Peter começou a responder, colocando a mão atrás da
cabeça para pensar um pouco.
-Peter, você já deveria ter voltado para casa – disse Miki,
levantando-se – eu vou levá-lo. Ele acabou de se mudar e ainda não conhece
totalmente os arredores.
-Tudo bem – responde Kimiko – Volte quando quiser.
Os dois saem da casa de Miki. O céu está nublado, mas as
nuvens estão se movimentando, permitindo que a luz da lua consiga iluminar a
rua e o restante da cidade. Apenas algumas partes estão cobertas pelas nuvens.
-Você sempre é assim? – pergunta Peter à Miki.
-Assim como?
-Assim, com sua mãe. Vocês duas são tão reservadas uma com a
outra. O modo como você fala com sua mãe dá a entender que vocês mal se
conhecem.
Eles vão andando pelas ruas mais iluminadas. Um carro passa
perto deles.
-Nós sempre nos comunicamos dessa forma. Como você se
comunica com sua mãe?
-Eu não tenho mãe. Ela morreu pouco depois do parto. Então
desde sempre e vivo com meu pai. Mas como ele está envolvido em uma pesquisa,
me mandou para cá.
Peter não parecia tão triste ao falar isso. Miki pareceu
ficar sem graça.
-Entendo. Bom, é assim que eu me relaciono com minha mãe.
Sou apenas mais uma boneca para ela.
-Isso é horrível. Você é filha dela, em carne e sangue.
-Posso ser de carne e sangue, mas não sou real.
-Ah. Sua mãe sabe sobre as regras da turma B?
-Não. Mas ela não ligaria se soubesse também. Nem se
soubesse se eu fosse a inexistente. E eu não vou contar à ela. É melhor.
-E o que ela acha de você ficar matando aula?
-Ou ela não se importa ou ela não interfere. Exceto em
algumas coisas.
-Que coisas?
Miki ficou em silêncio e não respondeu. Peter percebeu isso.
-Bom, agora que eu sei do segredo da turma B, diga, Miki,
como você suporta essa situação?
Miki acelerou o passo e ficou mais a frente no caminho.
-Não há nada que possa ser feito. Apenas fui escolhida. Se
não fosse eu, provavelmente escolheriam outra pessoa. Eu ia precisar ignorar a
existência de outra pessoa. Foi até melhor que me escolheram.
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